sábado, 15 de julho de 2023


15 DE JULHO DE 2023
MARCELO RECH

Honra ao mérito

Vamos supor que você, felizardo, faturou uma bolada de R$ 10 milhões na Mega-Sena. Precavido, você não quer torrar tudo e incinerar a sua sorte. Mas se a bufunfa ficar guardada debaixo do colchão, ela vai se desvalorizar em algo como 0,5% ao mês, que é uma inflação corriqueira média no Brasil. Ou seja, por deixar seu rico dinheirinho parado, você queimaria R$ 50 mil a cada 30 dias.

Então, você sabe que é preciso botar o dinheiro para trabalhar. No Brasil de juros nas alturas, se você investir em uma aplicação sonolenta, um CDB meia-boca, espere ganhar em torno de 1% ao mês - R$ 100 mil limpinhos, sem incomodações e sem levantar um dedo. Mas você precisa se resguardar da inflação. Então, saca a metade dos R$ 100 mil e reinveste o restante no mesmo CDB. Sobram R$ 50 mil. Com o equivalente a US$ 10 mil no bolso todo mês, você e família viveriam despreocupados em qualquer lugar aprazível do planeta.

Mas não, você quer empreender. Você monta um negócio no Brasil, uma rede de 10 restaurantes, por exemplo. Você gasta uma pequena fortuna para equipar as unidades: mobiliário, cozinhas modernas, uma decoração bacana. Para fazer a máquina andar, você dá emprego a, digamos, cem pessoas - 10 por restaurante, sem contar os indiretos, como as equipes de segurança, limpeza e manutenção periódica de equipamentos e instalações.

Você paga 10 aluguéis, impostos insanos de toda ordem, uma salada de siglas em taxas sobre os cem salários, vale-alimentação, vale-transporte e, como você se preocupa com os funcionários, assistência de saúde. Você também desembolsa um ervanário pesado a fornecedores de alimentos, horas extras, cursos de treinamentos e segurança, contadores, advogados, publicidade, influenciadores e sabe-se lá mais o quê. Cada quê anterior é um problema em potencial.

Você também trabalha ou fica angustiado sete dias por semana, 12 meses por ano, porque negócio fechado é dinheiro que não entra. Os fiscais fiscalizam o tempo todo - e assim deve ser, já que você lida com pessoas e alimentos. Clientes reclamam de qualquer coisa e detonam todo o seu esforço nas redes sociais.

Você corre o risco de assaltos e tem de lidar com furtos, arrombamentos, danos, desvios, atrasos e desperdícios. Ex-funcionários entram na Justiça. Outros ex-colegas depõem a favor deles, que logo depois vão depor para os ex-colegas também. Você gasta uma dinheirama em ações trabalhistas, com o pagamento de juros, com golpes de aproveitadores e com fornecedores que recebem, não entregam e desaparecem.

Você poderia estar na praia de papo pro ar, mas insiste em empreender e gerar empregos no Brasil. Tem alguma medalha pra isso?

MARCELO RECH

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