sábado, 15 de julho de 2023



15/07/2023 - 16h12min
Fabrício Carpinejar

Cadeados abertos 

Você pode até se apaixonar no encontro inicial, mas amar não. Não acredito em amor à primeira vista. Ele é parcelado em incontáveis vezes. Você não ama alguém só de olhar. Você passa a amar fechando os olhos, na revisitação da saudade.

Amor exige intimidade, espaço interior. É um encantamento que surge da lealdade, da antiguidade do laço. É um magnetismo por tempo de convivência. Você pode até se apaixonar no encontro inicial, mas amar não. Amar é mérito. Amor é reconhecimento, amor é admiração, amor é conjunto da obra, amor é o lucro na soma de defeitos e virtudes do outro.

Por outro ângulo, confio que pode existir amizade à primeira vista. Foi assim com meus melhores amigos: Zé, Dudu, Mário, Vinicius, Diogo, Bruno, Nilson…

É uma atração do caráter, dos princípios, do modo de vida. Você vê de cara que a pessoa presta. Ela melhora as suas ideias, a sua percepção do mundo, valoriza a sua presença desde o aperto fundador de mãos.

Você não demora quase nada para reconhecer uma alma igual a sua, que sofreu a mesma estatura de experiências. Você tem consciência de que ela agrega valor ao seu cotidiano. Mal se conheceram e já conversam com uma cumplicidade inexplicável. Há uma confiança estabelecida logo no início do contato. 

Estão rindo pelas afinidades, estão se emocionando pelas dores parecidas, estão refletindo sobre projetos em comum. Você não demora quase nada para reconhecer uma alma igual a sua, que sofreu a mesma estatura de experiências. Basta virar a chave na ignição das palavras, e o motor das semelhanças liga imediatamente.

Tem certeza de que se verão sempre, tanto que o nome é salvo na hora na agenda do celular. A empatia chega antes da aparência.

Não sabe ainda quem é exatamente o outro em pormenores, mas já sente que aquela companhia é fundamental para enfrentar as provações do trabalho e da família. Ganhou um novo aliado, fortaleceu o seu exército contra a infelicidade. Vem uma certeza profética da longevidade da lealdade.

Você está amando um amigo à primeira vista. Como se voltasse à infância. Como se aquele desconhecido perguntasse a partir do alambrado de um campinho de futebol se cabe mais um na partida e você o colocasse em seu time, para jogar ao seu lado.

São desígnios do tempo, mensageiros postos em nosso caminho para tornar a nossa existência mais suportável. O amigo amado à primeira vista realiza a proeza da adesão, faz você se sentir realmente à vontade.

A impressão é que o conhece há muito tempo, que os defeitos dele não apresentam nenhuma gravidade de comportamento, que não vão prejudicar a estima mútua. Não nos esforçamos para dizer o que pensamos, não há sacrifício para sermos simpáticos, não precisamos fingir coisa alguma, dispensamos a bajulação adotada habitualmente para garantir aprovação.

Suas piadas fazem sentido, suas ironias são partilhadas, seus silêncios são respeitados. É um irmão perdido, devolvido pelo destino. As confissões tradicionalmente ásperas de repente acontecem com extrema fluência.

E lá estaremos falando de algo que nunca comentamos com ninguém. Os segredos não têm mais cadeados.

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