terça-feira, 11 de julho de 2023

11 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

Saudade de cachorro

Sejamos mais intensos, menos ansiosos. Na ansiedade, você se encontra ausente do lugar, do encontro, da conversa, preocupado unicamente com o futuro. Experimenta uma precipitação infinita, uma vontade insana e impossível de ter controle sobre os acontecimentos próximos.

Na intensidade, você não adoece com o porvir, está inteiro no presente. Não existe mais nada, a não ser o presente. É uma entrega corajosa a cada momento vivido, uma urgência de atenção que não se guarda para depois, que não se adia.

Talvez devamos aprender mais com os cachorros. Com a saudade dos cachorros, que é oposta da nossa. A nossa saudade é medida pelo tempo, pela régua cronológica. De acordo com a distância e a espera, sentimos falta de alguém. Ela não é imediata, porém cumulativa. Você sofre apenas depois de uma semana longe. Se passou um mês sem ver a pessoa, então nem se fala, perde-se nos suspiros. Dois meses, por sua vez, já cobra o retorno.

Somos filhos do adeus, devotos da lonjura. Cachorro apresenta uma natureza absolutamente diferente. Mais intensa. Mais pura. Possui um afeto transparente, exemplar, incondicional. Sua saudade é mais da janela do que da porta, do cheiro mais do que da imagem.

Ele não controla a sua emoção pelo relógio. Você sai de casa por 15 minutos e, na hora de voltar, o cão irá recebê-lo como se tivesse desaparecido por uma década. Com um arfar de respiração de completo abandono.

Vai pular em seu colo, fazer festa, abanar o rabo, correr de um lado para o outro, exibir a sua vitalidade, trazer um brinquedo, lamber o seu rosto.

Tente repetir a cena, fingir nova saída, fechar a porta por uma breve lacuna e logo ressurgir, o acolhimento será igual. A recepção jamais perde sua força. É uma saudade funda e oceânica de alguns instantes. É saudade fora do esquadro do tempo. É uma saudade de você, independentemente de quanto esteve fora.

Regulamos o nosso apego pelo alcance visual. Trata-se de um excesso de confiança nas aparências.

O cachorro já cria os laços pela essência, pelo agora. Tanto que é ele que o leva para passear, não o contrário. Você pode supor que ele está querendo fazer xixi, busca descer desesperadamente para a rua, precisa socializar a sua comunicação com seus colegas de bairro, gastar a sua energia, mas não: ele notou que você anda desanimado, triste, cabisbaixo, e toda a iniciativa é dele de levá-lo para a vida lá fora, para você sair do confinamento, desfrutar uma trégua de respiro e paz, arejar o coração.

O que mais testemunho pela cidade é cachorro puxando a coleira.

CARPINEJAR

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