terça-feira, 18 de julho de 2023


18 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

As pessoas não são deficientes, o mundo que é deficiente para elas. O mundo não está preparado para as diferenças e segue um padrão de comportamento tiranicamente padronizado.

Uma vida nasce com exigências particulares e não existe nada adequado para a sua sobrevivência, para o seu crescimento, para a sua socialização.

Não há ao redor facilidades, mas adversidades, obstáculos, entraves. As paredes dos hábitos e das convenções emparedam qualquer sensibilidade singular a partir da exclusão e do bullying.

Os pais com filhos portadores de doenças raras são inventores do cotidiano, obrigados a criar tudo para proteger aquela nova existência. Desconheço amor semelhante.

É um big bang da resiliência.

Os pais têm que inventar cadeira para o seu filho.

Têm que inventar mesa para o seu filho.

Têm que inventar roupas para o seu filho.

Têm que inventar sapatos para o seu filho.

Têm que inventar comida para o seu filho.

Têm que inventar um quarto, um banheiro para o seu filho.

Têm que inventar creche para o seu filho.

Têm que inventar parque para o seu filho.

Têm que inventar escola para o seu filho.

Têm que inventar rampas para o seu filho.

Têm que inventar um idioma para o seu filho.

Têm que inventar uma turma de amigos para o seu filho.

Têm que inventar pais compreensivos dos amigos de seu filho.

Têm que inventar uma naturalidade familiar para o seu filho.

Têm que inventar toda uma sociedade para o seu filho.

Revivem os primeiros dias de um homem na Terra, atritando pedras para acender o fogo do coração. É como se não houvesse a admissão de especificidades.

É como se pudesse existir uma cura impossível, uma cura ideológica, feita da ideia de que se deve ser igual aos outros, o que é uma inverdade tanto biológica quanto espiritual. Sofrem pelo privilégio de uma genética genérica, tendo que explicar que restrições não são aberrações do comportamento.

Combatem a ditadura da simetria, da beleza helênica, do corpo sem vazão de temperamento. Descobrem sutilezas da motricidade, detalhes da esperança, risos por trás do esforço.

Não gosto da expressão "doença rara". Porque destaca a doença. A pessoa não é a doença. Assim somos condicionados a enxergar unicamente o desvio da aparência, e caímos no preconceito, na mendicância da comiseração.

A saúde desse indivíduo que é rara. Porque ele sobressai à finitude provisória de um diagnóstico. Supera limitações para encontrar a plenitude do afeto. Não tenho pena dessas mães e desses pais, pelo contrário, transbordo de admiração...

São lindos. São esculpidos para as soluções. São aliados da evolução. Alargaram o nosso entendimento da diversidade. Não geraram apenas uma criança, e sim um universo inteiro para acolhê-la.

CARPINEJAR

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