15 DE JULHO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL
QUERIDO DIÁRIO,
As intimidades do poder e da consciência formam um drama patético. Muitos acreditam na força e na verdade do que faço. Outros não, nem remotamente, e criticam. E eu? Devo examinar meus atos? Examinar e ponderar antes de decidir? Eleger princípios e finalidades? Estudar, avaliar e justificar democraticamente, ou passar a patrola e seguir adiante, colhendo os aplausos que já conheço? Ora! Que tonto quem acha que aquele que se serve da democracia deve defendê-la. Babaquice. Cheguei ao palácio, sou feliz, me bajulam e me acho bonito, o resto que se rale. Mas por que te digo isso, querido Diário? Não é melhor caminhar sem ouvir, sem olhar pra trás ou pra frente, apenas colher a glória, e vida que segue?
A água. Seria um bem precioso? Tó hydor, como disse Tales de Mileto (625-548 a.C.), o princípio essencial, ou tão somente um bem que podemos comercializar? Ainda melhor, um bem que amigos estrangeiros podem comercializar melhor do que nós, botocudos? A água, para matar a sede de milhões, ou para saciar a sede de lucros de alguns poucos, que logo terão ainda mais sede? A sede voraz por dinheiro, que sede linda, que move a humanidade, enquanto quem não tem mérito ou patrimônio, que morra de sede (kkk! Desculpe, Diário, acho que não sou tão ruim. Acho. Achas?). Ora!
Qual a diferença entre um bem essencial e aqueles espelhos mágicos que os europeus teriam oferecido aos tupis deslumbrados? Naquele espelho eu me vejo lindo, mas o espelho das águas eu recuso: demasiado puro! A água, um bem ótimo para pôr no brique, especialmente porque não me pertence, pertence à terra e ao povo (kkk, já era: pertencia!), e eu não sou nem da terra, nem do povo, por que não vender esse bem, ?tão valioso?, para a elite de outro país?
A questão energética. Os recursos vitais. O valor estratégico. A crescente escassez global do bem natural, humano e social mais importante, a água. Gente! Esperam que eu leia relatórios, que compreenda a questão energética e que estude por que os que privatizaram as águas, em todo o mundo, ora correm para reverter esse erro? O que puder ser vendido, que se venda, seja pra quem for, desde que pague. E quero que paguem pelo que compraram. Muito obrigado.
O que temo mesmo, querido Diário, é o que sabes há muito: que descubram que sou completamente inepto e incapaz de administrar o que quer que seja. É muito difícil. É mais fácil usar minha voz de crooner para enganar a tolas e tolos do que para dizer ao povo o que bem sabes, Diário: que sou um incompetente e prefiro me livrar do desafio, entregar aos outros para resolverem o que não consigo. E pouco importa que eu entregue uma antiga e próspera empresa do povo, cor sana e sacro serviço, com estrutura técnica, monopólio, público consumidor cativo (meus concidadãos!), potencial imenso; pouco importa, eu sou e todos somos mesmo uns estúpidos, nada sabemos, os outros é que sabem."
Ah, o poder da ideologia liberal, que assassina a lucidez, manieta e cativa lacaios e perverte os destinos da humanidade. Eis o vero inimigo da democracia, que ora espouca champagnes sobre o leite derramado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário