14 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR
Cariocas de espírito
Uma das semifinais da Copa de "Milhões" Brasil já está definida: Grêmio enfrenta o Flamengo.
Há um duelo à parte nos bastidores entre o mais carioca dos paulistas, o atacante Gabigol, e o mais carioca dos gaúchos, o técnico Renato Portaluppi.
Gabriel Barbosa mostrou-se o mais decisivo jogador rubro-negro dos últimos tempos. Não existe rival. Parece predestinado a marcar gols em finais e mata-matas. Ele jamais amarela. Sua identificação com a torcida vai muito além da sua tradicional comemoração com a exibição do muque. É um homem-canhão, um showman, um provocador nato, um embaixador da paixão, um Che Guevara na estampa das bandeiras e camisetas flamenguistas, o sexto maior artilheiro da história do clube numa carreira insanamente meteórica.
Num único jogo, na eliminação do Athletico Paranaense, fez dois gols, um deles anulado por impedimento com acompanhamento coreográfico do VAR no telão do estádio. Apanhou e reagiu, armou confusão, gerou expulsão de Gerson com a sua treta, levou cartão, comeu bolacha recheada arremessada por torcedor adversário, recebeu banho de cerveja da arquibancada. Mais aventura do que isso, só Tom Cruise em cartaz com Missão: Impossível.
Em quatro anos atuando pelo Flamengo, ganhou inacreditáveis 11 faixas, sendo duas Libertadores, dois Brasileiros, uma Copa do Brasil. Nem é questão de colocar um ídolo contra o outro, mas, para ter noção do valor, aplainou uma prateleira de canecos nacionais e internacionais mais pesada do que o incensado e indiscutível Galinho de Quintino, Zico, em seus 16 anos de Gávea (foram 13 títulos, sete como campeão carioca).
Já Renato é estátua na esplanada da Arena, sinônimo de tricolor. Jamais no país despontou um atleta com o mesmo sucesso e quilometragem numa única equipe como jogador e treinador. São 720 partidas em campo e na casamata. Sua marca só pode ser superada agora por ele mesmo.
Com as chuteiras, brilhou entre 1980 e 1986. Depois vestiu novamente a camisa 7, em 1991.
Com a planilha e o comando do vestiário, esta é a sua quarta passagem. Esteve de 2010 a 2011, em 2013, de 2016 a 2021, e desde setembro do ano passado, quando retornou e seguiu após a troca da diretoria.
São 14 títulos, entre os quais duas Libertadores e um Mundial. Por 388 vezes, trouxe a vitória para a casa gremista.
E Renato é essencialmente folclórico, mal combina com o sobretudo e os casacões gaúchos. Tem um temperamento praiano, uma atitude de futevôlei, uma malandragem do Rio, uma bossa nova na ironia. Trata-se de um gavião amado no ninho de quero-quero. Não tem mais como demiti-lo. Encontra-se acima da presidência. Será sempre um "até logo" ou "até a próxima taça".
Gabigol e Renato vão mobilizar os bastidores do aguardado enfrentamento na segunda semana de agosto. Uma lenda urbana e um mito atemporal. Dois cariocas de espírito.
Haverá por parte do Renato a cena clássica de morder a sua medalhinha santa à beira do gramado. Vive com o escapulário debaixo da língua, como se fosse um comprimido de Isordil, nos momentos de maior tensão e nervosismo. O metal sagrado já deve conter o molde de sua arcada. Veremos se vai dentar mais um passaporte para a final. Sua história não cessa. Para a raiva de colorados como eu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário