quinta-feira, 26 de junho de 2014


26 de junho de 2014 | N° 17841
LUCIANO ALABARSE

O BRASIL DESEJADO

Dia desses, Marcelo Coelho escreveu um artigo em que confessava não entender um outro, o de Nuno Ramos, ambos publicados na Folha de S.Paulo. Em tom perplexo, o grande artista plástico expressava “suspeitas” contundentes a respeito do futuro brasileiro, com a premissa de que nossa violência social se reveste de níveis incontroláveis e bandeiras políticas contraditórias.

Terminava com uma frase impactante: “Suspeito que estamos fodidos”. Coelho credita tais reflexões desesperançadas à uma “perda de objeto”: algo se perdeu no país, sem ninguém saber bem o que nem quando – e o que perdemos não voltará. Um país perdido. Sem esperança. Sem confiança ou crença. Terrível.

Ou sucumbimos ao pessimismo de Nuno Ramos ou fazemos como o poeta, que “durante o nevoeiro leva o barco devagar”. Contradições sociais exigem escrita que não se prenda a regras de escrita culta, mas que mostre adequação e pertinência. Longos parágrafos como Saramago. Frases elípticas como James Ellroy. “Sem regras, então? Vale tudo?”. Não. Talvez seja isso o que nós, brasileiros, mais precisamos agora observar: regras. De educação, convívio e cidadania. Comuns a todos: presidentes, elites, obreiros e artistas.

Lya Luft já comparou o ato criador a um mergulho em tanque sujo, onde o artista precisa encontrar imagens escondidas na sujeira volátil do tanque cheio. Fazer teatro, meu ofício primordial, é isso. Mergulhar no tanque e buscar o que texto e encenação requerem. Agonia e êxtase ininterruptos. Como o bom cinema e o bom teatro, “fazer” um país exige capacitação. Leitura também. Comecei seis vezes o Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa, antes de engrenar. Passei anos sem ler inteiro o Ulisses, do James Joyce. Um dia consegui.

Ler mestres, como os acima citados, ou um cronista amador, como eu, pede sintonia. Não aciono o piloto automático no teatro. Nem aqui. Tenho “o álibi de ter nascido ávido”. Às vésperas de estrear espetáculo novo, A Vertigem dos Animais Antes do Abate, o fenômeno se repete: a água suja da criação me congela mais que o inverno gaúcho. 

Mas não desisto. Nem do teatro, nem da vida que me cabe. Também não desistirei do Brasil enevoado. Almejo nosso real protagonismo construindo o país desejado. Um Brasil generoso e insuspeito. Que não xingue autoridades em cerimônias públicas. Melhor assim. Navegar é preciso.


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