27
de junho de 2014 | N° 17842
DAVID
COIMBRA
Ao entardecer de
Boston
Você
envelhece, inexoravelmente envelhece, mas, em compensação, a experiência
torna-o mais resistente. Você já viu tanta coisa, já sentiu tanta coisa, está
preparado para qualquer contingência. Você é mais velho, sim, mas é menos tolo.
Em
tese. A realidade não tem sido essa, pelo menos não a minha. Sinto-me mais
sensível do que nunca com o inapelável passar dos anos, o que, confesso, me
incomoda.
Bem,
agora cá estou, vivendo nos Estados Unidos por essas surpresas da vida. Sabia
que, nas primeiras semanas, seria duro. Tenho de me virar numa língua que não é
a minha, num lugar desconhecido e estando totalmente sozinho – minha mulher e
meu filho ainda levarão algumas pastosas semanas para vir.
No
entanto, preparei-me para todas as dores físicas e anímicas. E estava me saindo
bem, estava tudo dentro do planejado. Até que, dias atrás, saí para comer algo
ao entardecer suave de Boston em junho. Caminhava pela Harvard Street admirando
a paisagem, os grandes sobrados de madeira, as ruas arborizadas e floridas, e
resolvi ligar para casa. Atendeu o meu filho.
A
felicidade aqueceu meu peito quando ouvi sua voz de menino pequeno. Começamos a
conversar, conversamos bastante, só que, de repente, sem motivo aparente, ele
rompeu em pranto. Não era choro de manha, era choro sentido, de soluços. Choro
de tristeza. Perguntei por que ele chorava e ele respondia, resfolgando:
–
Não sei, papai...Pedi que parasse de chorar, e ele repetia:
–
Não consigo, papai. Não consigo parar de chorar...
Compreendi
que ele estava com saudade e não conseguia discernir o que sentia. A mesma saudade
que me confrangia o coração a cada noite, antes de dormir. Demorei alguns
minutos para consolá-lo. Consegui, enfim, e desliguei o telefone. Continuei
caminhando pela Harvard Street sem saber exatamente o que pensar.
E
então, bem na minha frente, um menininho e seu pai saíram de dentro de uma
loja, um café, sei lá. O menininho era pouco mais novo do que o meu filho.
Estava uns dois passos na frente do pai. Fez menção de correr e gritou:
– Me
pega, papai! Me pega!
E o
pai riu, fazendo menção de correr atrás dele, e ambos riram. Fiquei olhando
para a cena. Não havia motivo plausível, mas aquilo me deixou ligeiramente
comovido. Uma bola de sentimento subiu-me pela garganta, interrompeu-me a
respiração e aí, da forma mais idiota do mundo, meus olhos se encheram d’água.
Comecei a chorar. Como meu filho, minutos antes, não conseguia parar de chorar.
Chorei
baixinho, caminhando pela Harvard Street, ao entardecer amarelo pálido de
Boston, e pensei que a idade não me defende de nada. Deveria haver uma casca neste
meu peito, deveria haver uma capa protetora sobre mim, feita com a costura de
todos esses anos. Mas, não. Não. A idade não me defende de nada.
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