19
de junho de 2014 | N° 17833
CARLOS
GERBASE
O
PASTOR, A XUXA E KHOURI
Na
polêmica entre o deputado-pastor-socialista – esse estranhíssimo ser, que
certamente não é resultado da seleção natural – e a Xuxa, envolvendo uma lei
que trata da violência doméstica contra crianças, o maior prejudicado é um dos
nomes mais importantes da história do cinema brasileiro: Walter Hugo Khouri
(1929 – 2003). Conforme publicou o jornal O Dia em 5 de maio, o pastor afirma
que Xuxa, como atriz de Amor Estranho Amor (1982), “estava participando de
filmes pornôs com cenas de sexo explícito com uma criança de 12 anos”.
Ou o
deputado não sabe o significado das palavras “pornô” e “explícito”,
demonstrando assim a sua ignorância abissal, ou sabe e está mentindo
descaradamente. Nesse caso, quando partir para aquele distante país do qual
ninguém jamais retorna, corre o risco de morar para sempre no inferno em que
acredita.
Amor
Estranho Amor é a história da iniciação erótica de um menino no bordel elegante
dos anos 1930 em que vai morar. Sua mãe, vivida por Vera Fischer, é prostituta
e amante de um político. Xuxa interpreta uma colega de sua mãe e, com um
desempenho dramático até razoável, inicia o jovem nas artes do amor. Não há
pornografia. Não há sexo explícito.
Não
há nada além da temática que Khouri desenvolveu em 25 longas-metragens. Talvez
o pastor julgue que é imoral contar uma história sobre um menino que desperta
para o sexo. Talvez ele ache que os meninos não deveriam despertar nunca para o
sexo, o que exigiria uma adaptação rápida da espécie humana para a mesma
estratégia das bactérias, que se reproduzem repartindo-se em duas. Talvez o
pastor possa nos ensinar, na prática, essa nova técnica no plenário da Câmara.
O
desserviço à memória de Khouri, contudo, não pode ser todo debitado na conta do
pastor. A própria Xuxa contribuiu para a confusão ao mover mundos e fundos na
tentativa de impedir o filme de circular, por razões que não temos espaço aqui
para debater. Na verdade, ela deveria ter orgulho de ter filmado com um dos
maiores diretores do nosso cinema, que sempre fez filmes sobre um assunto sério
e dramático.
A
nudez de Xuxa, ao lado de um jovem ator de 12 anos (que confessou, já adulto,
sua predileção por Vera Fischer e Matilde Mastrangi), contribuiu para a
realização de uma obra de arte. O resto é ignorância, falso moralismo e
fundamentalismo religioso, que tanto mal faz à cultura e à saúde dos seres
humanos de todas as idades.
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