12
de junho de 2014 | N° 17826
MÁRIO
CORSO
Suspiros de
fumaça
“Parar
de fumar é muito fácil. Eu mesmo já parei umas 20 vezes.” Assim dizia meu pai
brincando para minimizar sua maior derrota: nunca conseguiu largar o cigarro.
Quando, pela doença, as proibições chegaram, fumava escondido. Anos depois que
partiu, minha mãe seguia encontrando maços em esconderijos insólitos.
Meu
primeiro contato com o comércio foi comprando cigarros para meu pai.
Diligentemente, não aceitava o troco em balas, o acerto justo dignificava a
missão. Hoje lembro dessas incursões com um pingo de culpa, como se nelas
houvesse uma névoa de conivência.
Claro,
eu era criança. Se é para ter culpa, melhor lembrar dos últimos anos do meu avô
materno quando já era adolescente. Outro que levou o cigarro até o fim. Embora
quem levou quem seja a questão. Respirando muito mal, os médicos lhe cortaram o
hábito. Mas houve um apelo e uma concessão: três meios cigarros ao dia. Quando
estava comigo, roubava no jogo e eu fazia escandalosa vista grossa. Trocávamos
olhares e eu esquecia de cortar o cigarro, ou me enganava na difícil matemática
que é discernir entre três e quatro.
Sinto
falta do cheiro de tabacaria, de comprar cigarros, mas não sei o que faria com
eles. Eu jamais fumei e meus fumantes se foram. Não descobri se nunca fumei
para não desafiar quem derrotou meu pai ou para triunfar onde ele falhou.
Quando
minha mulher chegou na minha vida, fumava. Trazia essa familiaridade de um gozo
que eu não entendia. O cigarro para Diana era um amigo fiel que pontuava e
sublinhava sua vida. Antes disso, depois daquilo, no momento de angústia, nos
momentos de alegria, contra a solidão, enfim, arrimo para todas as pausas. Mas
minha paciência com o cigarro, e o custo que ele me trouxe, já havia esgotado.
Agora, era eu ou ele. Quase perdi! Havia um inimigo na trincheira, minhas
memórias, tinha uma queda pelo inimigo. Mas consegui. Depois de anos de luta e
com o decisivo apoio da minha tropa de choque, minhas duas filhas, vencemos.
Se
existe algo que aprendi com o cigarro é não menosprezar sua força e o preço que
os fumantes estão dispostos a pagar. Tingir de morte o seu prazer, como a medicina
explica e agora está impresso em qualquer maço, ao meu ver pouco ajuda. Talvez
só denote o que ele é, uma tourada com a finitude, desafiando e chamando a
morte a cada tragada.
O
preço por esse prazer letal é enorme para a saúde pública. Mas o pior, talvez
mais doloroso por ser mais próximo, é testemunhar essa escolha entre a fuga
solitária do canudinho de fumaça e a nossa companhia. Gostaria que todos os
fumantes que amei tivessem escolhido a minha companhia à dele, de cuja
preferência sempre terei ciúme. Precisamos ganhar os fumantes de volta para
nós.
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