19
de junho de 2014 | N° 17833
MÁRIO
CORSO (Interino)
Os pés e as
mãos
Quem
quiser saber por que o futebol se tornou o esporte mais popular do planeta terá
que rebolar. Certamente a causa é multifatorial, mas arrisco uma teoria.
O
futebol é o reverso do mundo do trabalho. É o território do ócio, do esforço
não produtivo, da competição brincalhona. No mundo prático, quem governa são as
mãos, e elas são o símbolo do trabalho. Não dizemos: mão de obra, dar uma mão,
botar a mão na graxa? A mão é produção e nobreza. É ela que escreve, opera
máquinas e aperta botões. Os pés nos levam de um lado a outro, mas são meros
coadjuvantes, estão a serviço das artes das mãos.
No
mundo do avesso, são os pés que mandam, são eles que dançam, que jogam bola. No
campo, a mão não vale, não entra no jogo, a não ser a de Deus, como naquele dia
em que, entre tantos dos seus nomes, Ele resolveu usar Diego. Pudessem tirá-la,
os demais jogadores o fariam, elas estão ali só para dar graça e harmonia à
corrida.
Para
não dizer que são completamente inúteis só servem para saída lateral, a
cobrança mais rasa e insignificante do futebol. Quem pode usá-las é o goleiro, mas
ele é a exceção e é o masoquista do time. Ele é o mediador entre esses mundos,
é o único que não pode correr pelo campo, está fixo como um trabalhador no seu
setor. Brinca mas não tanto, está no pior lugar. Indispensável, mas excêntrico
ao grupo.
No fim
de semana as mãos tiram folga e quem entra em campo são os pés. Nesse momento,
eles são valorizados e podem mostrar sua força, sua pontaria, sua destreza.
Enquanto a motricidade das mãos é essencial para qualquer diligência prática, a
dos pés nunca é treinada. Mão é cultura, pé é natureza. Poderíamos ter duas
pernas esquerdas que ninguém perceberia. Já no futebol, é a inteligência motora
dos pés que vale. O pé, como parte mais baixa do corpo, está ligado à terra, e
recebe seus encantos pela sua condição animal, sua força indomada. No campo, os
pés estão livres para chutar, para correr, driblar, mostrar ao mundo e às mãos
seu valor.
As
mãos quase falam, os pés são mudos. As mãos são imperialistas, não basta
trabalharem, são elas que afagam, que selam pactos. São elas que deslizam pelo
corpo do ser amado. Os pés querem sua parte, seu quinhão de importância, para
isso ganharam os gramados de domingo.
A
cabeça encontra razão motora apenas no futebol, na vida não damos cabeçadas.
Usamos a cabeça para pensar a vida, mas ela fica quieta sobre os ombros e no
máximo segura um chapéu e ganha um afago. Só no futebol, ela pode ser animal e
desferir um golpe fatal no inimigo. Com o futebol, e o uso lúdico dos pés e da
cabeça, a democracia corporal se estabelece, o corpo se integra e vive a
felicidade de um feriado com sol.
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