ROBERTO DE OLIVEIRA DE SÃO PAULO
24/06/2014 02h00
Alta demanda 'sob lençóis' leva São Paulo a 'importar' garotas
No entra e sai da porta giratória de um grande hotel de luxo na zona sul de São Paulo, às 23h de sábado (14), quase tudo era furtivo. Quase.
Uma morena alta, de olhos azuis, pernas compridas e lábios carnudos saiu apressada de um Honda Civic de vidros escuros. Ignorando o protocolo da recepção, encostou no extenso balcão de madeira do café, trocou meia dúzia de palavras em inglês com um elegante quarentão e foi com ele rumo ao elevador.
Cinquenta e sete minutos depois, ela estava de volta ao lobby, tão impecável e perfumada quanto antes. Esse é o tipo de garota com quem é fácil cruzar em shoppings como JK Iguatemi ou Cidade Jardim. Naquela noite, usava no pescoço um lenço verde vintage Hermès –um adorno para quebrar o preto do vestidinho básico DVF (Diane von Furstenberg). Nos pés, sapatos pretos com fundo vermelho de Christian Louboutin.
Por questões "éticas", preferiu manter a discrição e levar a conversa para longe dali, onde muitos dirigentes da Fifa estavam hospedados.
"Até então, achava a Fórmula 1 imbatível, mas a Copa está uma loucura", disse Nashila (pessoa jurídica), 23. Ela é uma das garotas que engrossam o grupo de mão de obra "importada" para trabalhar em agências de acompanhantes e "night clubs" em tempos de grande demanda. Cerca de 600 mil estrangeiros estão no país por causa da Copa. Ao menos 63.362 passaram por São Paulo, segundo o Ministério do Turismo.
Gaúcha de Caxias do Sul, Nashila conta que ganhava, no máximo, R$ 400 por programa em eventos como a Expointer, feira agrícola de Esteio (RS).
"É minha terceira vez em São Paulo. Fui à Agrishow, em Ribeirão Preto, neste ano e à Fórmula 1 no ano passado, mas nada se compara ao Mundial. Nunca vi tanto gringo no Brasil."
Sobre o cachê, Nashila diz que o preço pelos encontros em hotéis luxuosos é fixo: US$ 900 (cerca de R$ 2.000). "Beleza conta, mas fui selecionada pela agência também por causa do meu currículo." Ela é fluente em inglês. "No final da adolescência, morei um ano em Seattle, fazendo intercâmbio. E, por viver em Porto Alegre, arranho bem o espanhol", diz. "Percebe por que as chances de baixar o cachê são nulas?", diz, enquanto dá uma leve borrifada de "Joy", de Jean Patou, no pescoço.
Nashila se enquadra no "padrão Gisele Bündchen de beleza": garota do Sul, de cabelos lisos e longos, pernas compridas, pele e olhos claros, as preferidas de latinos e americanos, segundo boates e agências de acompanhantes. Já os europeus, especialmente os alemães, os ingleses e os holandeses, querem as mulatas "do samba, tipo exportação", como as cariocas e as baianas, nas quais os excessos somam pontos.
De Feira de Santana (BA), Danny ("nome de guerra"), 20, diz que é dançarina. Habilidosa nos passos do axé, conta que dançou com bandas como Chiclete com Banana e Asa de Águia. No final de maio, recebeu um convite para trabalhar em São Paulo.
"Como estava o pessoal da Fifa por aqui, mais de 500 pessoas, além de um 'casting' absurdo de patrocinadores, a agência me chamou para o serviço de acompanhante", explicou a morena de cabelos encaracolados, olhos verdes e corpo de dançarina, "com pernão, bração e cia.", segundo definição dela própria, que rejeita a pecha de garota de programa.
JORNADA DUPLA
Figurinhas fáceis nas micaretas da Vila Madalena, os turistas estrangeiros estão animando outras festas por São Paulo. O movimento em casas como Café Photo, Romanza e Bahamas triplicou. Na madrugada de quarta (18), por volta das 3h, mais de 300 homens se divertiam no Café Photo, no Itaim. Lá, só se falava em inglês. A maioria veio assistir ao jogo da Inglaterra, que perdeu de 2 a 1 para o Uruguai, na quinta-feira (19).
Os estrangeiros, que andam com fama de pechinchar até o preço de milho cozido, abrem a mão à noite e gastam, em média, R$ 700. Fora a grana das meninas, que vai de R$ 800 a R$ 2.000.
Executivo de uma empresa de energia, o galês Stephen (que não informou o sobrenome), 47, estava com oito colegas. "As mulheres são lindas. Não é tão caro. Gastaríamos mais em Londres." O Café Photo era a segunda casa que os britânicos visitavam no terceiro dia em São Paulo.
Para atender ao circuito AAA da prostituição, a rotina de trabalho segue a lógica do mercado: "Depende do dia, dos jogos da Copa e até do resultado de cada partida", diz a paulista Tábatha (nome de trabalho), 23, do Bahamas.
"Por exemplo, no período que antecedeu a abertura do Mundial e no fim de semana seguinte, foi puxado. Tinha muito trabalho nos hotéis de luxo e nas casas." Segundo ela, agora é hora de ganhar dinheiro. "Estou torcendo para times como Alemanha, Itália, França e Inglaterra. Os turistas desses países são os mais generosos", disse Tábatha, que, com as horas extras, já estava com passagem marcada para curtir o verão europeu na Itália. "Desta vez, sem trabalho. 'Just relax'."
ALCOVITEIROS DA COPA
Quem também anda na correria são os taxistas. Nos arredores de luxuosos hotéis, eles se transformaram nos maiores onze-letras de São Paulo. São os motoristas que fazem a ponte entre "cliente" e "acompanhante". Ao levarem um gringo para o Romanza, por exemplo, ganham R$ 120. No Café Photo, o valor por cabeça é de R$ 80 –antes, não passava dos R$ 40.
"Eles querem saber onde estão as mais 'calientes', as de bumbum bem brasileiro", diz "Gordo", taxista que trabalha nos Jardins, principalmente com hóspedes do Tivoli e do Renaissance.
Para atendimento nos hotéis, que permitem ao hóspede receber a "convidada" no quarto, geralmente as "acompanhantes" chegam de motorista particular. "Para não dar bandeira", diz um "concierge", que, por motivos óbvios, pede anonimato.
Sob o pretexto de manter uma "política de privacidade", nenhum desses hotéis quis comentar o assunto.
"Nesse universo, quanto mais discreto, melhor para todo mundo", afirma o recepcionista, que anda feliz da vida com a "tip" (gorjeta) que recebe tanto das meninas quanto dos clientes delas.
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