22
de junho de 2014 | N° 17837
ANTONIO
PRATA
Papel higiênico
rosa
Quando
o explosivo conluio entre uma moqueca baiana e uma ressaca homérica me levou,
às pressas, a buscar asilo no banheiro de um boteco, dei-me conta de uma
discreta, porém fundamental, mudança na cenografia do cotidiano: o papel
higiênico rosa não existe mais. Sem alarde, sem choro nem vela nem fita
amarela, os purpúreos rolos, outrora onipresentes em pés sujos, postos de
gasolina e outras desprivilegiadas privadas públicas deste Brasil, deixaram a
vida para entrar na história.
Diante
de tal constatação, não pude evitar que um sorriso despontasse em meu rosto.
Senti que o papel higiênico rosa era uma daquelas aberrações do século 20
felizmente extintas, como a palmatória, o CFC, os polichinelos nas aulas de
educação física. Que pereça na vala comum do passado, pensei, e que de lá só
saia em pesadelos, quando o inconsciente, com suas razões que a própria razão
desconhece, vier esfregá-lo novamente em nossas fuças – ou em recantos menos
nobres da epiderme.
Minha
alegria, contudo, não durou muito tempo. Esvaiu-se assim que olhei para o lado
e lembrei a que fomos condenados após o declínio daquele desprezado produto da
celulose: aos rolões ou aos guardanapinhos. É como se tivéssemos derrubado um
caudilho de república das bananas para cair na Guerra Fria, com duas potências
dividindo o mundo e impondo a nós suas autocráticas vontades.
Comecemos
pelos rolões. A sensação de abundância trazida pela visão da bojuda caixa de
plástico desaparece no momento em que o cidadão tenta extrair dela o quinhão
que lhe convém daqueles quilômetros de papel higiênico. Pois algum infeliz
decidiu, depois de mais de um século de bem-sucedida extração frontal, que o
papel agora sai paralelamente ao – digamos assim – usuário, que precisa contorcer-se
para puxá-lo. Não satisfeito, o mesmo gênio, pai da “extração paralela”,
cometeu um grosseiro erro de cálculo.
Há
uma equação inviável entre a espessura do papel e o peso do rolo: mal você puxa
aquela diáfana lingueta, ela se rompe. Por minutos a fio você fica ali,
tentando devagarinho, tentando pequenos trancos, tenta até enfiar a mão dentro
da caixa de plástico para ajudar no movimento, mas é em vão: o papel rasga em
vários pedacinhos e só resta a você fazer um bolinho com aqueles trapos, um amontoado
mais troncho que dinheiro de bêbado.
O
mesmo problema, é verdade, não ocorre com os tais “guardanapinhos”, pois eles
sequer te dão a esperança de conseguir um comprimento decente: já saem da caixa
vertical previamente cortados, com as dimensões perfeitas para a higiene – de
gnomos, de duendes, de hobbits; não de seres humanos. É revoltante.
O
rolão é uma ditadura stalinista, um estado imenso cuja máquina existe mais para
a autopreservação do que para o bem do cidadão. Os guardanapinhos são o capitalismo
selvagem, em que foi tirado do indivíduo e dado ao mercado uma das escolhas
mais básicas da vida: o tamanho do papel higiênico que lhe convém na mais
íntima das solidões.
O
papel higiênico rosa podia ser feio, meus amigos, podia ser rude e agressivo,
mas funcionava. Éramos felizes e não sabíamos. Éramos livres e não sabíamos.
Saudades do papel higiênico rosa.
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