11
de junho de 2014 | N° 17825
PAULO
SANT’ANA
Os necrológios cínicos
Uma
característica bem nossa é exaltarmos até os píncaros da glória as pessoas que
morrem.
A
morte nos comove sempre a elogiarmos, merecida ou imerecidamente, os nossos
recentemente falecidos.
Estive
pensando sobre isso e vejo que corro um tremendo risco: há pessoas que detesto
e que, se morrerem, terei fatalmente que elogiar.
Pensando
nisso, fiz uma lista das pessoas a quem odeio fortemente e por felicidade só
encontrei cinco.
Por
isso é que estou rezando fervorosamente para morrer antes desses meus cinco
desafetos.
Se
eles morrerem antes de mim, terei de mentir e elevá-los ao céu nas linhas que
escreverei sobre eles, o que me deixará profundamente desconfortável e em
remorso.
Mas,
se eu morrer antes dessas cinco pessoas a quem odeio e que me odeiam,
certamente estarei vendo lá do lugar, quero crer, excelso em que vou me
encontrar, os elogios candentes deles juntarem-se às vozes de meu necrológio.
Nunca
vi nenhuma pessoa morrer e no dia seguinte alguém escrever sobre ela: “Era um patife!”.
Nem sobre o Pinochet.
Pelo
contrário, quando o Pinochet morreu, eu li no dia seguinte num jornal
brasileiro: “Foi um ditador sanguinário, mas pelo menos salvou o Chile do
comunismo”.
Já o
mesmo jornalista brasileiro, quando Salvador Allende morreu, escreveu: “Ele
estava levando o Chile para o comunismo, mas merece um sepultamento decente”.
Um
dia fui num velório de um político que tinha sido governante. O caixão foi
liberado para o público no velório.
Vi
uma pessoa murmurando ao lado do esquife para outra: “Foi um grande homem”. E o
outro retrucou: “É verdade, embora fosse cheio de defeitos”.
E,
também no cemitério, a viúva era consolada por alguém diante do caixão de seu
marido: “Não chore tanto, a senhora há de conseguir um outro marido que a ame
tanto quanto ele a amou”. E a viúva: “Eu sei, mas nunca, jamais, conseguirei
alguém que me devote tanta paciência como ele quando eu o xingava”.
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