sexta-feira, 27 de junho de 2014


27 de junho de 2014 | N° 17842
MOISÉS MENDES

Cafés com pernas

Impressões apressadas de viagem são traiçoeiras. Tanto que há entre os jornalistas esta lenda: se você fica uma semana em algum lugar interessante, na volta, entusiasmado, você pode escrever um livro. Se ficar um mês, talvez pense um pouco e escreva apenas um artigo. Se decidir morar por um tempo, acaba não escrevendo nada.

Estive duas vezes em Santiago do Chile. Somando, fiquei oito dias. Poderia escrever um livro sobre a capital dos adversários do Brasil amanhã. Seriam anotações superficiais, como esta: nas entrevistas, achei o chileno desconfiado. Mas já conversei com outros colegas que pensam o contrário.

As sacadas dos prédios são enfeitadas com plantas e flores em abundância. Santiago é florida. O ar tem baixa umidade, e vi caminhões-pipa circulando pelas ruas para despejar água nas árvores.

O Palácio de La Moneda, onde Allende se suicidou, é de dar dó. Você está andando na rua e de repente vê o palácio, como se fosse uma maquete do que via em fotos e na TV. Os militares bombardearam um sobradinho para dar o golpe de 1973.

Descobri, no fim dos anos 90, na área central de Santiago, uma inovação chilena que contrasta com a sobriedade da arquitetura do centro histórico e com o recato de uma cidade com forte influência da imigração alemã. Os cafés chilenos são erotizados.

Cheguei ao acaso, vagando pelo centro, ao que eles chamam de café con piernas. As garçonetes vestem microssaias e circulam num tablado, bem acima do nível do chão, para serem admiradas.

O desavisado se sente no lugar errado. As moças sorriem, se insinuam. É assim em todo o centro de Santiago até hoje. Mas não há nada além do café.

Fui só uma vez, tomei o café e saí logo. Temia ser flagrado por um conhecido (sempre há um conhecido nos lugares mais improváveis). Há cafés mais ousados, onde as garçonetes atendem de biquíni. Os cafés sexy surgiram e prosperaram com o fim da ditadura de Pinochet, em 1990. Os chilenos se livravam da tirania de todo jeito.

Os cafés podem também ter alguma relação com a fama do Chile como modelo neoliberal, em que tudo é permitido. Lá, a previdência social é privada, o governo não se mete nas aposentadorias. E os chilenos pagam para fazer um curso superior, inclusive em universidade pública.

Mas eles são indecisos e vivem entre a direita (que estava no governo até março deste ano) e a esquerda, que governa de novo com a socialista Michelle Bachelet. O Chile é também o único país do mundo capaz de resgatar mineiros presos num buraco.

Faço essas anotações porque preciso falar dos nossos adversários na Copa. O próximo é o Uruguai. Morei em Rivera no século passado, quando fumar maconha era atividade de alto risco.


Ah, ia esquecendo: o café no Chile é mais ou menos, se você conseguir prestar mais atenção no aroma do que nas moças. No começo, parece encorpado, mas vai se esvaindo a cada gole. Como se espera que seja esta seleção deles.

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