22
de junho de 2014 | N° 17837
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Trabalho de
memória
Não
é só porque as polarizações da conjuntura andam fora de controle que resolvo
falar de memória. (Mas vamos combinar que a coisa anda feia. O caso dos
insultos à presidente foi desses. Tenho zero coisas contra vaiar autoridades,
ainda mais em campo de futebol – Nelson Rodrigues dizia que no Maracanã se vaia
até minuto de silêncio. Mas xingar é bem outra coisa. Epa, eu ia evitar o
tema...)
O
negócio é que memória não se faz espontaneamente. Nada digo dos processos
bioquímicos, neuronais, da criação da memória, coisa para especialistas, como o
doutor Iván Izquierdo, uma das glórias da ciência entre nós. Me refiro ao trato
coletivo da memória, que não nasce espontaneamente, nem prospera em ambiente
hostil.
Uma
prova forte está nos trabalhos da Comissão da Verdade. Ainda esses dias um
capitão reformado da Aeronáutica revelou que o corpo de Stuart Angel foi
enterrado na cabeceira da pista de aviões da Base Aérea de Santa Cruz, Rio de
Janeiro. A mãe de Stuart, conhecida como Zuzu, arrostou militares ferozes com
sua força singela de mãe para tentar reaver o corpo de seu filho, em vão.
Agora, 43 anos depois, uma ponta do mistério ganha a luz do dia.
A
Comissão está lutando pela memória, entre outras coisas. Uma nação adulta não
pode ter, coletivamente, medo de se pensar, de se ver no espelho, de fazer o
luto pelos que ficaram pelo caminho. Só que isso custa: precisa haver gente que
lidere o processo.
Em
terreno muito mais ameno, mas em condições não exatamente fáceis, há gente
fazendo sua parte na produção da memória coletiva na forma de livros, aliás,
mais propriamente, de álbuns. Vamos falar de dois casos recentes, ambos de
grande significação.
Um
deles é o impressionante Álbum do Bicentenário de Pelotas, de que já temos dois
volumes, havendo a promessa de um terceiro. Com produção da Gaia Cultura e Arte
(Duda Keiber à frente) e coordenação editorial de Luis Rubira (professor de
Filosofia na UFPel), o resultado é uma dessas coisas sublimes para o presente e
o futuro.
No
primeiro volume, tivemos a reprodução total da famosa, mas não muito conhecida,
Revista do Centenário, uma das mais arrojadas invenções do nunca demais
elogiado João Simões Lopes Neto. Por ali se pode avaliar o quanto esse homem se
entregou aos trabalhos da memória, ele que já havia dado ao mundo seus volumes
de luto e de prospecção no Cancioneiro Guasca e nos Contos Gauchescos e que
daria em 1913 as não menos impressionantes Lendas do Sul.
Este
primeiro volume é ilustrado com imagens de alto valor documental, alcançando
335 páginas, feito nada pequeno, mas amplamente superado pelo volume 2 e suas
575 páginas, dedicadas ao retrato da vida cultural e artística da cidade e
contando com um conjunto significativo de ensaios temáticos para cada ramo
artístico.
Agora
o outro trabalhador da memória: Gunter Axt. De sua ação já tivemos vários
exemplos em livros e estudos de importância. Há pouco publicou um volume que
deve ter dado um imenso trabalho – pesquisa documental, entrevistas, garimpo,
harmonização dos dados e redação – e que resultou numa história imprescindível:
A Faculdade de Direito de Porto Alegre - UFRGS: Memória, Ensino e Política
desde 1900 (Paiol Editora/Leitura XXI).
Aqui
se trata bem menos de um documento visual, que é o mais significativo pilar dos
volumes dedicados a Pelotas, e mais de um estudo em forma de reportagem
histórica. Axt repassa os dados empíricos da história da Faculdade, tendo em
vista uma leitura de conjunto que aborda também os grandes lineamentos ideológicos
que animaram a instituição.
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