22
de junho de 2014 | N° 17837
VIDA
INTERIOR | Diana Corso
Entardecer de
domingo
VAMOS
VIVENDO OS dias sem pensar, adiando as esperanças de felicidade até a noite de
sexta-feira
Os
domingos têm dentes. A expressão é da jornalista Eliane Brum em seu último e
tocante livro Meus Desacontecimentos (Ed. Leya). O significado dessas palavras
qualquer um é capaz de sentir na própria carne. Há domingos que até passam
suaves, despercebidos, encontram-nos distraídos. Mas, em geral, em algum
momento, principalmente à tardinha, o sétimo dia nos crava os dentes, sem
morder, é só um aperto quase indolor. Acusamos o golpe discretamente,
disfarçamos a instalação dessa farpa de medo que nos cutuca a cada passo, até
adormecer.
Talvez
sintamos assim porque certamente o fim de semana, mesmo que tenha sido
maravilhoso, sempre deixa a desejar. Quem sabe por que temos medo das
segundas-feiras? Quando conseguimos desengatar da locomotiva dos deveres,
duvidamos da nossa capacidade de reingressar nos trilhos. Por sorte, de perto o
trabalho volta a parecer factível.
A
engrenagem cotidiana nos embala numa fieira de dias que vamos vivendo sem
pensar, adiará as esperanças de felicidade, que ficam adormecidas até a noite
de sexta. O entardecer dos dias úteis desperta a expectativa de prazeres, da
merecida recompensa.
A
partir desse momento queremos apenas tudo: ficar junto com a família e os
amigos, mas evitar compromissos sociais; amar e ser amados, mas não ter que
pensar no outro o tempo todo; empanturrar-nos de comer, beber, passear, dançar,
mas sem ressacas; dormir bastante e perder tempo, mas ganhar cultura; relaxar,
mas organizar nossas coisas pessoais; jogar conversa fora, mas ter diálogos
transcendentes. Expectativas contraditórias entre si, conflitantes. No fim, a
realização de alguns desses desejos acaba sendo pífia frente ao ressentimento
pelos que foram preteridos. Um tempo grávido de promessas é condenado ao aborto
dos ideais.
A
forma como organizamos nosso ócio diz muito de nós, pois é o tempo que
liberamos para realizar nossos desejos. Por isso, Eliane Brum é uma observadora
de domingos: “Acredito que não se pode conhecer uma pessoa, um grupo, uma
aldeia ou um país sem habitá-lo por ao menos um domingo”.
Na
melancolia dominical, sentimento quase universal, fica provado que tempo livre
é como mente vazia, oficina do diabo. As exigências dos desejos podem ser mais
inclementes do que as do trabalho. A síntese deles costuma chamar-se de
felicidade. Se por ela entendermos a saciedade plena estaremos condenados ao
seu antônimo, a insatisfação, ou à sua ausência, a tristeza.
Nos
sábados e domingos não temos obrigações: dia de lembrar que não há prescrição
ou cota obrigatória de prazeres a serem vividos e ostentados. Felicidade, a
possível, é discreta e nunca completa. Bom domingo!
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