15 de junho de 2014 | N°
17829
FABRÍCIO CARPINEJAR
Choro emprestado
Tenho um péssimo hábito de não
anotar o sobrenome dos meus contatos do celular. Digito rapidamente o primeiro
nome e deu. Livro-me da tarefa.
Assim, quando vou telefonar para
meu amigo Everton, enfrento a loteria de cinco Everton na minha lista e não sei
qual é o Everton verdadeiro. Não que os outros sejam falsos, mas o Everton mais
próximo está ladeado de xarás eventuais e efêmeros do mundo dos negócios.
Para falar com Everton, acumulo
gafes. Como não sei sequer os primeiros dígitos de seu número, sou obrigado a
perder uma manhã inteira confirmando seu telefone. É ridículo, ligo para vários
intermediários para ter a certeza de um destino.
Enfrento enrascada ainda maior
diante de nomes tradicionais como Ana, Maria, Pedro e Zé. Daí a roleta russa se
converte em guerra ucraniana. São 15 opções de cada um para criar
constrangimento, gastar lábia e pedir desculpa.
Minha preguiça sempre me coloca
em situações embaraçosas. Esses dias, recebi um SMS de minha amiga Natalia,
avisando que não iria para aula porque sua mãe faleceu. Aquilo me calou fundo.
Encheu de lágrimas os dois copos de requeijão de meus olhos. Não questionei o
contexto “Aula? Que aula?”, afinal não frequentava mais nenhum curso com ela.
Respondi apenas meus pêsames e
perguntei onde seria o enterro e qual o horário.
Tinha sido colega de Natália no
Ensino Médio. Foi minha confidente e conselheira inseparável. Recordava sua mãe
nos servindo sanduíche de mortadela e suco de laranja quando estudávamos no
quarto para as provas finais. Conservei essa terna imagem para ter o que
desaguar no sofrimento.
Ao chegar no velório no São
Miguel e Almas, não localizei a cabeleira loira de Natália.
O silêncio do lugar acentuava os
gemidos e miados dos parentes. Cadeiras em L asseguravam ordem e fila na
demonstração da dor.
Esperei sentado um pouco para ver
se esbarrava em alguma lembrança. Não reconheci ninguém.
Decidi cumprimentar o homem perto
do caixão. Raciocinei que era o viúvo e pai de Natália. Eu me aproximei e
abracei longamente o sujeito. Chorei copiosamente em seus ombros. Ele retribuiu
chorando mais alto. Dei dois socos em suas costas. Ele revidou esmagando meus
braços. Eu soltei uma frase consoladora tipo “A vida é terrível!”, ele
concordou soluçando.
Sozinho, ao lado da falecida,
observei o vidro buscando entender se a morte tinha inchado seu rosto ou ela
havia envelhecido em pouquíssimo tempo.
Depois de me desidratar no
cemitério, telefonei para Natália e lamentei que não a encontrei na despedida
de sua mãe.
- Minha mãe, Fabrício? Isola!
Está vivíssima da silva.
Acho que chorei pelo morto
errado. Fica como crédito para o próximo enterro.
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