sábado, 21 de junho de 2014


22 de junho de 2014 | N° 17837
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

O que vi por aqui

A MAGRINHA E O HAMBÚRGUER

Outro dia vi uma moça comendo um hambúrguer. Foi uma experiência estranha. Estava num bar, e ela sentou-se com uma amiga na mesa ao lado. Eram duas meninas de uns 19 ou 20 anos de idade, magrinhas e branquíssimas, umas sílfides. Fizeram seus pedidos e, minutos depois, chegou aquele hambúrguer.

Nem reparei no prato da outra garota, porque não conseguia desviar o olhar do hambúrguer. Era um troço de pelo menos um palmo de altura. Entre uma fatia de pão e outra eles colocaram o bife, mais bacon frito, queijo, saladas e algumas outras coisas que não consegui identificar, talvez tivesse batata junto. O fato é que era um prato selvagem e alto, muito alto.

Ora, um hambúrguer é um sanduíche. O objetivo dos sanduíches é que sejam comidos com as mãos, dispensando a formalidade do garfo e da faca. Por isso o Conde de Sandwich o inventou. Esse conde era um inglês que adorava uma carpeta. Passava dias e noites na jogatina. Para não abandonar a mesa de jogo e, ao mesmo tempo, saciar a fome, pedia que os criados lhe servissem um bife entre duas fatias de pão. Assim, ele comia com uma única mão, enquanto com a outra segurava as cartas. Os companheiros da roda gostaram da ideia e começaram a pedir o mesmo prato. “Quero aquele do Sandwich”. Assim, sandwich virou sanduíche.

Pois bem. Um hambúrguer é um sanduíche-íche-íche. Tem de ser pego com uma única mão e devorado às dentadas, como o Obelix faz com um pernil de javali. Mas como a menina se sairia com aquela violência entre duas fatias de pão? Pois ela, tão delicada, tão singela, apertou a fatia de cima com a mão esquerda e, manuseando uma faca de bom corte com a direita, dividiu o hambúrguer em duas partes iguais.

Em seguida, comprimiu o mais que pôde uma das metades, fazendo-a ficar com uns quatro dedos de altura. Ergueu-a do prato. E abriu a boca. Mas abriu bem, bem, bem a boca, parecendo um hipopótamo. E então, com naturalidade, olhando sempre para a amiga e rindo do que ouvia a outra falar, introduziu aquele maço de comida entre os dentes, arrancou um pedaço e começou a mastigar com vontade. Fez isso com total serenidade, não se importando nem com a faixa de ketchup que lhe lambuzou a face muito branca.

Fiquei olhando para a cena com inveja. Eu não conseguiria. Francamente, não conseguiria.

A PLACA MENTIROSA

Vi uma placa de anúncio da Delta Airlines. Tinha fotos dos irmãos Wright, Wilbur e Orville, com a seguinte frase:

“A América inventou a aviação, e agora nós vamos reinventá-la”.

Estaquei, olhando para aquilo. Tive vontade de gritar:

– É mentira! Isso aqui é mentira, viu? Não foram vocês, fomos nós que inventamos a aviação. Santos Dumont! Santos Dumont!

Mas achei que não ia pegar bem. Melhor ganhar a Copa e mostrar para eles com quem estão lidando.

A BABÁ ALUGADA

Aquela babá estava atravessando a rua ao lado de outra babá. As duas conversavam distraidamente, enquanto a primeira empurrava um carrinho com seis nenês.

Seis nenês.

Esperei que ela passasse por perto para olhar com maior atenção. O carrinho, que ela empurrava sem grande dificuldade, era chamado de “Kinder Van”. Era um carro com espaço para seis cadeirinhas de nenê, daquelas de se prender no banco do automóvel. Os seis nenês tinham mais ou menos a mesma idade, cerca de um ano. Não eram irmãos. Estavam quietinhos, olhando a paisagem. Os que estavam sentados no meio da fila tinham as cadeirinhas viradas para o lado, para que não ficassem olhando só para a nuca do nenê da frente.

As duas babás caminhavam sem pressa, falando lá dos assuntos delas. Fiquei encantado. Já tinha visto passeadores de cachorros, aqueles caras que pegam 10, 15, 20 cachorros e saem com eles ao mesmo tempo, levam-nos nos parques e tal. Os donos pagam-nos para isso. Mas não sabia da existência passeadoras de nenês. Muito prático. Não há o que a engenhosidade humana não resolva.

A DEUSA E A BOLA

Nas TVs daqui passa uma propaganda que é assim: os caras estão jogando uma partida de futebol americano. São todos uns grandões alimentados a bacon e scrambled eggs, muito vermelhos debaixo daqueles capacetes, com suas ombreiras e sua bola elíptica. De repente, um carro entra no meio do campo e interrompe o jogo. Eles ficam olhando, surpresos. Do carro, agora estacionado, surge um par de pernas morenas, longas e lisas, os pés delicados calçados com escarpins.

Os jogadores olham, cada vez mais boquiabertos. Veem, então, aparecer a dona das pernas: uma deusa longilínea, sinuosa, os olhos azuis faiscantes, o rosto perfeito iluminado por um sorriso de superioridade. É a baiana Adriana Lima, que carrega debaixo dos braços macios uma bola de futebol, o nosso futebol, o soccer. Ela caminha até o meio do campo, pisa em cima da bola e ronrona:

– No meu país, “isso” é futebol.

E dá, de chapa, um chute à meia-altura que um americano bufa para encaixar.


Desse jeito, não tem como os ianques não se apaixonarem pelo velho esporte bretão.

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