22
de junho de 2014 | N° 17837
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
O que vi por
aqui
A
MAGRINHA E O HAMBÚRGUER
Outro
dia vi uma moça comendo um hambúrguer. Foi uma experiência estranha. Estava num
bar, e ela sentou-se com uma amiga na mesa ao lado. Eram duas meninas de uns 19
ou 20 anos de idade, magrinhas e branquíssimas, umas sílfides. Fizeram seus
pedidos e, minutos depois, chegou aquele hambúrguer.
Nem
reparei no prato da outra garota, porque não conseguia desviar o olhar do
hambúrguer. Era um troço de pelo menos um palmo de altura. Entre uma fatia de
pão e outra eles colocaram o bife, mais bacon frito, queijo, saladas e algumas
outras coisas que não consegui identificar, talvez tivesse batata junto. O fato
é que era um prato selvagem e alto, muito alto.
Ora,
um hambúrguer é um sanduíche. O objetivo dos sanduíches é que sejam comidos com
as mãos, dispensando a formalidade do garfo e da faca. Por isso o Conde de
Sandwich o inventou. Esse conde era um inglês que adorava uma carpeta. Passava
dias e noites na jogatina. Para não abandonar a mesa de jogo e, ao mesmo tempo,
saciar a fome, pedia que os criados lhe servissem um bife entre duas fatias de
pão. Assim, ele comia com uma única mão, enquanto com a outra segurava as
cartas. Os companheiros da roda gostaram da ideia e começaram a pedir o mesmo
prato. “Quero aquele do Sandwich”. Assim, sandwich virou sanduíche.
Pois
bem. Um hambúrguer é um sanduíche-íche-íche. Tem de ser pego com uma única mão
e devorado às dentadas, como o Obelix faz com um pernil de javali. Mas como a
menina se sairia com aquela violência entre duas fatias de pão? Pois ela, tão
delicada, tão singela, apertou a fatia de cima com a mão esquerda e, manuseando
uma faca de bom corte com a direita, dividiu o hambúrguer em duas partes
iguais.
Em
seguida, comprimiu o mais que pôde uma das metades, fazendo-a ficar com uns
quatro dedos de altura. Ergueu-a do prato. E abriu a boca. Mas abriu bem, bem,
bem a boca, parecendo um hipopótamo. E então, com naturalidade, olhando sempre
para a amiga e rindo do que ouvia a outra falar, introduziu aquele maço de
comida entre os dentes, arrancou um pedaço e começou a mastigar com vontade.
Fez isso com total serenidade, não se importando nem com a faixa de ketchup que
lhe lambuzou a face muito branca.
Fiquei
olhando para a cena com inveja. Eu não conseguiria. Francamente, não
conseguiria.
A
PLACA MENTIROSA
Vi
uma placa de anúncio da Delta Airlines. Tinha fotos dos irmãos Wright, Wilbur e
Orville, com a seguinte frase:
“A
América inventou a aviação, e agora nós vamos reinventá-la”.
Estaquei,
olhando para aquilo. Tive vontade de gritar:
– É
mentira! Isso aqui é mentira, viu? Não foram vocês, fomos nós que inventamos a
aviação. Santos Dumont! Santos Dumont!
Mas
achei que não ia pegar bem. Melhor ganhar a Copa e mostrar para eles com quem
estão lidando.
A
BABÁ ALUGADA
Aquela
babá estava atravessando a rua ao lado de outra babá. As duas conversavam
distraidamente, enquanto a primeira empurrava um carrinho com seis nenês.
Seis
nenês.
Esperei
que ela passasse por perto para olhar com maior atenção. O carrinho, que ela
empurrava sem grande dificuldade, era chamado de “Kinder Van”. Era um carro com
espaço para seis cadeirinhas de nenê, daquelas de se prender no banco do
automóvel. Os seis nenês tinham mais ou menos a mesma idade, cerca de um ano.
Não eram irmãos. Estavam quietinhos, olhando a paisagem. Os que estavam
sentados no meio da fila tinham as cadeirinhas viradas para o lado, para que
não ficassem olhando só para a nuca do nenê da frente.
As
duas babás caminhavam sem pressa, falando lá dos assuntos delas. Fiquei
encantado. Já tinha visto passeadores de cachorros, aqueles caras que pegam 10,
15, 20 cachorros e saem com eles ao mesmo tempo, levam-nos nos parques e tal.
Os donos pagam-nos para isso. Mas não sabia da existência passeadoras de nenês.
Muito prático. Não há o que a engenhosidade humana não resolva.
A
DEUSA E A BOLA
Nas
TVs daqui passa uma propaganda que é assim: os caras estão jogando uma partida
de futebol americano. São todos uns grandões alimentados a bacon e scrambled
eggs, muito vermelhos debaixo daqueles capacetes, com suas ombreiras e sua bola
elíptica. De repente, um carro entra no meio do campo e interrompe o jogo. Eles
ficam olhando, surpresos. Do carro, agora estacionado, surge um par de pernas
morenas, longas e lisas, os pés delicados calçados com escarpins.
Os
jogadores olham, cada vez mais boquiabertos. Veem, então, aparecer a dona das
pernas: uma deusa longilínea, sinuosa, os olhos azuis faiscantes, o rosto
perfeito iluminado por um sorriso de superioridade. É a baiana Adriana Lima,
que carrega debaixo dos braços macios uma bola de futebol, o nosso futebol, o
soccer. Ela caminha até o meio do campo, pisa em cima da bola e ronrona:
– No
meu país, “isso” é futebol.
E
dá, de chapa, um chute à meia-altura que um americano bufa para encaixar.
Desse
jeito, não tem como os ianques não se apaixonarem pelo velho esporte bretão.
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