quarta-feira, 25 de junho de 2014


25 de junho de 2014 | N° 17840
MARTHA MEDEIROS

A voz do futebol

Esta crônica poderia se chamar “O dia em que senti saudades do Galvão Bueno”, não fosse um título extenso e provocativo. Mas a verdade é que senti mesmo saudades do Galvão na quarta passada, dentro do Beira-Rio, onde assisti ao jogo entre Holanda e Austrália, em que cinco gols tão bonitos quanto discretos aconteceram. Discretos, sim. Você logo entenderá por quê.

Fazia tempo que eu não sentia a alta voltagem de um estádio lotado. Poucas coisas me parecem tão vibrantes quanto juntar-se a uma massa que tem o mesmo objetivo. Naquele dia, o objetivo era a celebração de uma festa mundial. Uma tarde ensolarada, reunindo pessoas de nacionalidades distintas, todas exalando uma energia pulsante durante os 90 minutos de bola rolando. Foi graças às reações daquele mundaréu de torcedores alegres e excitados que eu intuía o que acontecia em campo – já que não havia um narrador.

Quando era assídua frequentadora do Beira-Rio, nos anos 70, sempre tinha alguém por perto com um radinho de pilha em cima do ombro. Eram tantos os radinhos, e tão ao lado, que era impossível não ouvir a narração entusiasmada do repórter. Logo, havia total sincronia entre o que eu enxergava e escutava. Benditos radinhos.

Dessa vez, nada de radinho. Como eu estava atrás de uma das goleiras, não enxergava direito o que acontecia na pequena área do outro lado do campo (eu sei, pra isso existe telão, mas, se é pra ver no telão, fico em casa). Havia sido gol? Foi anulado? Onde está o juiz? Minha reação vinha três segundos atrasada, como os delays da tevê. Qual o nome daquele jogador careca? Ele colocou a mão na bola? E aquele caído lá no meio do campo? Por que está sendo retirado de maca? Foi grave?

Alguém pelamordedeus pode me dizer o que está acontecendo na minha frente?

Detonar Galvão Bueno é o segundo esporte mais popular do país, mas, dessa vez, em plena Copa, assistindo in loco a uma partida disputadíssima, me fizeram falta seus comentários, não importa se furados, xaropes, ufanistas. Ao menos, com a ajuda de um narrador – de qualquer emissora, aliás –, consigo manter atenção plena, fico sabendo o retrospecto dos atletas, entendo a razão de terem substituído fulano ou de terem expulso sicrano, sou gentilmente informada sobre em que pé estão as coisas – inclusive em que pé está a bola.

Sem o narrador, minha atenção dispersa, olho para os lados, admiro os rostos pintados, vejo o pipoqueiro procurando troco, me distraio com as conversas paralelas e com os chutes – nossos: olha lá, vai ser gol. Entrou ou não entrou? Deve ter entrado, o estádio se levantou. Entrou nada, o juiz marcou pênalti.


Do que se conclui: quem não tem ingresso, conforme-se. Na televisão, ao menos existe narrador. Gostando ou não do sujeito, um grito de gol bem berrado em nosso ouvido compensa não estar lá.

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