11
de junho de 2014 | N° 17825
PEDRO
GONZAGA
A NATUREZA DA
PROMESSA
Estranhos
animais somos nós. Imersos em uma complexa rede de projeções mentais, temos a
capacidade de converter o mundo em palavras e assim supor o que os outros pensam
do que pensamos, o que esperam e esperamos, de modo tão intricado que, Fernando
Savater, um dos grandes articulistas em atividade na imprensa mundial, no seu
livro Política para Meu Filho, questiona o bem-intencionado ecologista que
prega que a vida junto à natureza seria uma vida simples.
Diz
Savater que, se um dia fomos simples como os animais, isso tem de ter ocorrido
há milênios, porque mesmo as culturas mais primitivas foram capazes de produzir
um complexo legado de crenças e mitologias.
Palavras.
Palavras portadoras de raciocínios, criadoras de mundos passados e futuros, tão
confiantes nos pomos em sua solidez que passamos a aceitá-las como matéria
vindoura. Assim surgem as promessas, os juramentos e, claro, um pouco depois,
juízes e advogados. Mas, quando alguém promete alguma coisa, promete o quê,
afinal?
Promessa
vem da palavra latina promissum, sendo missum o particípio passado do verbo
mittere (enviar). Missum dá origem, por exemplo, à nossa missiva, aquela
maneira de chamar as cartas nos romances do século 19. O prefixo pro torna
ainda mais interessante a questão, pois pode significar antes, mas também o que
está próximo, ou o que virá depois. Em todos os casos, a entrega da promessa
nunca será agora.
Ou
seja, o que entregamos é apenas uma intenção, moldada por quem somos quando
erguemos a promessa, a qual, para piorar, costuma tratar de assuntos
imateriais: o amor, a amizade, futuras bonanças, futuras dívidas. A promessa é
um cheque pré-datado, se me permitem a vulgaridade da imagem.
Em
um de seus contos mais perfeitos, Noite de Almirante, Machado de Assis aborda
esse complexo tema da constância da promessa, tomando o pacto de amor feito
entre Genoveva e Deolindo. Este sai ao mar no auge da paixão dos dois para
retornar 10 meses depois, tendo como garantia o juramento de que esperariam um
pelo outro, evocado no título.
Ao
chegar à praia, não a encontra e logo descobre que ela já vivia com outro. Vai
até o local. Desesperado, pergunta pela quebra da promessa, ao que Genoveva
responde, sem afetação, que, no momento do juramento, jurara de verdade. Mas
que depois...
Promessas
que não se cumprem. Era sobre o que eu queria ter falado. Prometo escrever
sobre isso na próxima crônica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário