06
de janeiro de 2014 | N° 17665
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Sangue e
champanhe
Seus
dias começavam com um longo relax na banheira do Lancaster Hotel, em Paris,
durante o qual lia Simenon e os jornais da manhã. Ia em seguida fazer suas
apostas em Longchamps ou almoçar em algum restaurante da moda, nunca sem a
companhia de uma bela mulher e de uma garrafa de Borgonha. Às vezes levava suas
garotas para uma esplêndida, antiga mansão dos Rothschilds providencialmente
colocada a seu dispor. Ao entardecer empenhava-se em nova caçada no Hotel
Crillon, seguida de um jantar que poderia ser no Alexandres’s da Av. George V,
culminando tudo com mais amor e algum pôquer.
Estou
falando de Robert Capa, o maior fotógrafo de guerra de todos os tempos. Uma
notável biografia sua, Sangue e Champanhe, foi recém publicada no Brasil. O
autor, Alex Kershaw, traça com maestria o fantástico perfil desse judeu
húngaro, nascido André Friedmann e, como tantos de seus compatriotas, condenado
desde o berço a inglório fim em um campo de concentração.
Só
que ninguém tinha combinado isso com ele. Capa, iludindo seu destino, enfrentou
por décadas a morte, primeiro vencendo a fome e a miséria extremas, e logo
derrotando-a, com uma câmera na mão, em lugares tão diversos como a China, a
Espanha, o norte da África, a Itália, a França, a Alemanha, Israel.
Para
quem desafiava a morte, era preciso antes de tudo amar a vida. Robert Capa a
queria de paixão, tanto que era um sedutor nato. “Ele era muito atraente, pela
aparência, o estilo de vida de cigano, o glamour de seu trabalho, a fama de
suas fotos e o perigo de sua vida” – disse uma de suas amadas. Mais há de ter
dito a mais bela de todas. Essa atendia simplesmente por Ingrid Bergman e se
entregou inteira a ele depois que passearam de mãos dadas num amanhecer de
boemia pelas margens de Sena. Foi um affair que, inaugurado assim tão
magnífico, duraria anos.
As
outras foram inumeráveis, como incontáveis foram seus amigos, gente tipo
Cartier-Bresson, Ernest Hemingway, Pablo Picasso, John Steinbeck, John Huston,
Irwin Shaw, Ali Khan, Gene Kelly e mais uma multidão. Como o recém citado
Hemingway, David Niven e todo um exército de celebridades, Capa foi,
alegadamente, o primeiro dos aliados a entrar em Paris em 1944.
Mas
não estava preparado para entrar, 10 anos depois, num lugar chamado Indochina
(depois mais conhecido como Vietnam), que foi onde se apagou sua estrela.
Leiam
o livro de Kershaw, ainda que, em suas 349 páginas, não apareça uma só das
fotografias que imortalizaram Capa. Na edição brasileira, o personagem vale
suas imagens.
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