sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


03 de janeiro de 2014 | N° 17662
FÁBIO PRIKLADNICKI (Interino)

Intolerância na ponta do pé

Um homem com a camisa do Internacional está abraçado sensualmente com outro homem com fardamento do Grêmio, em uma cena de claro teor homoerótico. Esta imagem fez parte do espetáculo Os Bárbaros – Extreme Fashion Show, que esteve em cartaz, em maio, em Porto Alegre, no 8º Festival Palco Giratório Sesc-POA. Para criar a performance, o coletivo La Pocha Nostra, liderado pelo mexicano Guillermo Gómez-Peña, trabalhou em colaboração com artistas do Rio Grande do Sul.

Assim, puderam chegar a temas que são tabus em nossa sociedade. Fico imaginando a repercussão da imagem do casal gay com camisas da dupla Gre-Nal caso fosse exposta em outdoors ou compartilhada nas redes sociais.

O futebol é uma das poucas arenas públicas em que a homofobia é tacitamente tolerada. Exemplo disso foi a repercussão do selinho que o jogador corintiano Emerson Sheik deu em um amigo, em agosto de 2013, para celebrar uma vitória de seu clube. Sheik postou a foto do beijo em uma rede social, acompanhada de um texto. Um trecho: “Tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo do que os preconceituosos vão dizer”.

Mas os preconceituosos riram por último. O gesto foi mal recebido pelas torcidas organizadas do Corinthians, e alguns de seus integrantes protestaram no centro de treinamento. “Viado não”, dizia uma faixa. Outra estampava: “Vai beijar a P.Q.P., aqui é lugar de homem”.

Parecia uma minoria, mas a pressão foi tão grande, que o jogador veio a público se justificar. Novamente em uma rede social, declarou: “Peço desculpas aos que se sentiram ofendidos pela brincadeira que fiz com um amigo”. Aqui com meus botões, fico pensando o seguinte: não quero viver em um país que tem sua moral ditada pelas torcidas de futebol.

O que explica nosso interesse mórbido pela vida íntima dos ídolos? Ronaldo, o Fenômeno, teria se envolvido com três travestis em 2008. Negou que tenha tido relações com elas e afirmou que foi extorquido. Romário teria se relacionado com uma pessoa que passou por uma cirurgia de mudança de sexo, no final de 2013. Também negou. E daí, se fosse verdade, em ambos os casos? No fundo, não estamos julgando a sexualidade dos ídolos, mas a nossa própria moral.

Aqui está a questão: o futebol não é um mundo à parte; é um espelho da sociedade. Quando a notícia do beijo de Emerson Sheik foi publicada no Facebook por Zero Hora, as manifestações de apoio ao gesto foram “raras” na seção de comentários, segundo uma outra notícia no jornal que tratava da repercussão do caso.


E não é apenas a homofobia. Gritos racistas com jogadores negros ocorrem, volta e meia, em estádios na Europa. Os especialistas em futebol tratam dessas questões como exceções. Mas, convenhamos, são exceções que têm se repetido mais do que gostaríamos. E as penas aplicadas pelas autoridades não têm sido suficientes ou adequadas para coibir esse tipo de atitude. Precisamos cuidar do futebol para que seja um espelho do que há de melhor, e não de pior, em nós. Desejo que, neste ano de Copa do Mundo no Brasil, nós, torcedores, sejamos menos intolerantes.

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