03
de janeiro de 2014 | N° 17662
FÁBIO
PRIKLADNICKI (Interino)
Intolerância na ponta do
pé
Um
homem com a camisa do Internacional está abraçado sensualmente com outro homem
com fardamento do Grêmio, em uma cena de claro teor homoerótico. Esta imagem
fez parte do espetáculo Os Bárbaros – Extreme Fashion Show, que esteve em
cartaz, em maio, em Porto Alegre, no 8º Festival Palco Giratório Sesc-POA. Para
criar a performance, o coletivo La Pocha Nostra, liderado pelo mexicano
Guillermo Gómez-Peña, trabalhou em colaboração com artistas do Rio Grande do
Sul.
Assim,
puderam chegar a temas que são tabus em nossa sociedade. Fico imaginando a repercussão
da imagem do casal gay com camisas da dupla Gre-Nal caso fosse exposta em
outdoors ou compartilhada nas redes sociais.
O
futebol é uma das poucas arenas públicas em que a homofobia é tacitamente
tolerada. Exemplo disso foi a repercussão do selinho que o jogador corintiano
Emerson Sheik deu em um amigo, em agosto de 2013, para celebrar uma vitória de
seu clube. Sheik postou a foto do beijo em uma rede social, acompanhada de um
texto. Um trecho: “Tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo
do que os preconceituosos vão dizer”.
Mas
os preconceituosos riram por último. O gesto foi mal recebido pelas torcidas
organizadas do Corinthians, e alguns de seus integrantes protestaram no centro
de treinamento. “Viado não”, dizia uma faixa. Outra estampava: “Vai beijar a
P.Q.P., aqui é lugar de homem”.
Parecia
uma minoria, mas a pressão foi tão grande, que o jogador veio a público se
justificar. Novamente em uma rede social, declarou: “Peço desculpas aos que se
sentiram ofendidos pela brincadeira que fiz com um amigo”. Aqui com meus
botões, fico pensando o seguinte: não quero viver em um país que tem sua moral
ditada pelas torcidas de futebol.
O
que explica nosso interesse mórbido pela vida íntima dos ídolos? Ronaldo, o
Fenômeno, teria se envolvido com três travestis em 2008. Negou que tenha tido
relações com elas e afirmou que foi extorquido. Romário teria se relacionado
com uma pessoa que passou por uma cirurgia de mudança de sexo, no final de
2013. Também negou. E daí, se fosse verdade, em ambos os casos? No fundo, não
estamos julgando a sexualidade dos ídolos, mas a nossa própria moral.
Aqui
está a questão: o futebol não é um mundo à parte; é um espelho da sociedade.
Quando a notícia do beijo de Emerson Sheik foi publicada no Facebook por Zero
Hora, as manifestações de apoio ao gesto foram “raras” na seção de comentários,
segundo uma outra notícia no jornal que tratava da repercussão do caso.
E
não é apenas a homofobia. Gritos racistas com jogadores negros ocorrem, volta e
meia, em estádios na Europa. Os especialistas em futebol tratam dessas questões
como exceções. Mas, convenhamos, são exceções que têm se repetido mais do que
gostaríamos. E as penas aplicadas pelas autoridades não têm sido suficientes ou
adequadas para coibir esse tipo de atitude. Precisamos cuidar do futebol para
que seja um espelho do que há de melhor, e não de pior, em nós. Desejo que,
neste ano de Copa do Mundo no Brasil, nós, torcedores, sejamos menos
intolerantes.
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