quinta-feira, 28 de novembro de 2013


28 de novembro de 2013 | N° 17628
OLHAR GLOBAL | Luiz Antônio Araújo

O mercado como remédio

Na entrevista concedida na terça-feira ao repórter Léo Gerchmann, de Zero Hora, o presidente uruguaio José Mujica referiu-se sarcasticamente aos utopismos de direita e de esquerda. O neoliberalismo, afirmou, é um utopismo de direita por acreditar que, pela via crônica de mercado, se solucionam todos os problemas.

Já assinalei a ironia existente no fato de um governo de verniz socialista como o de Mujica ter decidido assegurar a seus cidadãos um direito reivindicado por Adam Smith e todos os seus sucessores e banido pelo Estado na maioria de suas encarnações contemporâneas: o de cultivar e consumir livremente espécies vegetais.

A imensa maioria dos governos recorre à força policial para impedir a produção e o consumo da Cannabis sativa, da qual a maconha é uma das variedades. Em busca de alternativas menos violentas, o socialista Mujica não encontrou outro instrumento melhor do que o mercado.

Este é Mujica, mas poderia ser um economista neoclássico: “O narcotráfico é um fenômeno capitalista típico. Como tem alto risco, tem alta taxa de lucro. E por que tem alta taxa de lucro? Porque é um monopólio, poucos o praticam porque tem alto risco. Mas é um fenômeno que se alimenta assim mesmo. A repressão assegura o monopólio para os poucos que estão no negócio.

Não há concorrência, ou há muito pouca”. Este é Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia de 1976 e defensor ardoroso da legalização das drogas, mas poderia ser Mujica: “Se você legaliza (as drogas), você destrói o mercado negro, o preço das drogas cairia drasticamente. E, como economista, (entendo que) preços mais baixos tendem a gerar mais demanda. De qualquer maneira, há algumas observações muito fortes a serem feitas sobre isso. O efeito da criminalização, de criminalizar as drogas, é levar as pessoas das drogas leves para as drogas pesadas”.

Convém não exagerar ao notar as similitudes entre Mujica e Friedman. O Nobel de Economia dificilmente assinaria embaixo do projeto de lei uruguaio, que, em síntese, estatiza a produção e a venda de maconha para consumo pessoal e permite que usuários plantem pequenas quantidades da erva. O presidente certamente ficaria constrangido diante da opinião de Friedman a respeito dos atuais traficantes de drogas: “As pessoas que estão comandando o tráfico de drogas não são diferentes do resto de nós, exceto pelo fato de que têm mais habilidade empreendedora e menos preocupação em não machucar outras pessoas”.


Do ponto de vista prático, porém, Mujica e Friedman estão mais próximos do que se supõe. São como dois médicos, um da Suíça e outro da zona rural da Mongólia, que, partindo de dados e tradições distintas, tivessem chegado ao mesmo remédio para combater uma doença. O tempo dirá se descobriram a cura.

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