20
de novembro de 2013 | N° 17620
EDITORIAIS
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
São
inúmeros os indícios de que um direito do cidadão se transformou em instrumento
de abusos e delitos contra o setor público. O aumento das demandas por
medicamentos via judicial, revelado por este jornal em reportagens publicadas a
partir de domingo, aciona um alerta que deve ser observado por todos,
advogados, defensores públicos, MP, Justiça e governos.
Merece
investigação o fato de que mais da metade das ações ajuizadas no país,
reivindicando tratamentos pelo SUS, esteja tramitando no Rio Grande do Sul. É no
mínimo estranho que existam no Estado 113 mil processos em andamento. No Paraná,
com número semelhante de habitantes, estes são 1,7 mil, e em São Paulo, com
população equivalente a quatro vezes a gaúcha, somam 44,6 mil.
Não
se imagina que o forte ativismo em defesa dos direitos dos beneficiários seja
capaz de explicar tantas diferenças. Há, como mostraram as reportagens, sinais
evidentes de que, paralelamente a ações bem-intencionadas, se criou uma indústria
em torno da reclamação de medicamentos na Justiça.
São
coniventes ou cúmplices dessa situação advogados, servidores públicos e indústrias,
mesmo que muitos produtos não sejam oficialmente recomendados. É lamentável
que, nesse contexto, tenham se confirmado suspeitas de que, além de forçar a venda,
os fornecedores superfaturam preços. Para os espertalhões, se o Estado é quem
paga a conta, o valor a ser cobrado pode ser o mais alto possível.
Socorrer-se
da Justiça é uma atitude extrema, mas legítima, contra a burocracia e a resistência
do setor público em cumprir suas obrigações, em quaisquer áreas. A banalização
dos recursos, no entanto, faz com que todos os contribuintes banquem
tratamentos que, em casos citados, poderiam ser assumidos pelos próprios
requerentes, além de serem cientificamente questionáveis. Não se concebe
igualmente que o Estado seja obrigado a pagar por produtos dietéticos,
chocolates e guloseimas, incluídos entre tantos outros que não são essenciais a
tratamentos e configuram privilégios.
São
situações que demonstram falta de bom senso e de postura ética, enquanto outras
deixam evidente a má-fé, principalmente quando há provas de conluios entre o
reclamante, seus defensores e os fornecedores dos medicamentos. Essa é uma
engrenagem desleal que não pode continuar prosperando, sob pena de comprometer
as responsabilidades do Estado na área da saúde pública. Chegou o momento de as
instituições envolvidas reavaliarem seus procedimentos, para que um direito não
seja desvirtuado por excessos e delitos.
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