16
de novembro de 2013 | N° 17616
CLÁUDIA
LAITANO
O sublime e o
trágico
O
Theatro São Pedro estava cheio, mas era para estar lotado, com cadeiras extras
espalhadas pelos corredores e gente disputando um naco de vista em todos os
camarotes. O espetáculo que o violonista Yamandu Costa apresentou em Porto
Alegre na semana passada é daqueles que a cidade não vê todo dia. Um virtuose no
auge da carreira – à vontade com a plateia, com o instrumento, com os parceiros
no palco (os impecáveis Guto Wirtti e Arthur Bonilla), com o êxtase da criação.
Porto
Alegre foi apenas uma escala na rotina de um cidadão do mundo. Nos primeiros
dias de dezembro, Yamandu se apresenta na Salle Pleyel, acompanhado da
Orchestre de Paris, e em seguida embarca para Telaviv – e depois, sabe-se lá
pra onde. Nada de excepcional em se tratando de um instrumentista com uma
carreira internacional estabelecida e em ascensão. Sua música bebe dessa
tropeada mundo afora, como não poderia deixar de ser, mas é de alma
inequivocamente telúrica, pampiana.
Por
aqui, temos o privilégio de ouvir Yamandu não apenas como o grande músico que
ele é, mas como um intérprete de uma sonoridade que nos é familiar e essencial.
Sua arte nos reflete e nos transcende, propondo uma versão mais sublime daquele
sentimento muita vezes barateado de regionalismo. Somos melhores, mais
intensos, mais profundos nesse espelho musical que ele nos oferece.
Yamandu
torna universal nossa pequena e remota aldeia. Como um Jorge Luis Borges de
violão e alpargatas, é do tamanho do mundo, mas tão gaucho quanto é possível
ser.
Se a
arte é capaz de expressar a melhor parte de um lugar, de uma época, de uma cultura,
onde deveríamos procurar a pior tradução de nós mesmos? Onde estaria condensado
o que não conseguimos resolver como nação – nosso fracasso, nossa culpa, nossa
vergonha? O Brasil é pródigo em metáforas de falência estrutural, mas talvez
nenhuma seja tão eloquente quanto o trânsito, a guerra que mata mais de 40 mil
pessoas por ano no país.
O
trânsito espelha nossa incapacidade para fiscalizar e para punir, para
respeitar leis, para construir e legitimar o espaço público, para valorizar a
igualdade acima da liberdade. Acima de tudo, o trânsito reflete nossa
irremediável dificuldade para reconhecer o outro. “Os outros são invisíveis no
Brasil. Você não é treinado em casa nem nas escolas para ver o outro como
colega, como um sujeito que tem os mesmos direitos de usufruir o espaço de
todos. Para nós, é o contrário: o espaço de todos pertence a quem ocupar esse
espaço primeiro, com mais agressividade”, define o antropólogo Roberto da
Matta.
Amanhã,
terceiro domingo do mês de novembro, é o dia dedicado à memória das vítimas da
violência no trânsito. Uma data criada para lembrar todos os que foram vítimas
da imprudência, da estrada esburacada, do segundo copo de bebida, da mensagem
de texto, da velocidade, da arrogância, da impunidade.
O
trânsito pode ser muito melhor do que é. O Brasil e os brasileiros também.
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