24 de novembro de 2013 | N° 17624
O CÓDIGO DAVID
EU
SOU UM BEAGLE
2013 foi estranho. Em 2013, transformei-me em um
beagle.
É. Sou um beagle de laboratório. Sirvo como cobaia em um
estudo internacional que desenvolve um medicamento contra o câncer. E sou um
beagle feliz, satisfeito por estar sendo tratado com o que há de mais moderno
na ciência. Mas, admito, não posso dizer o mesmo a respeito de meus outros
colegas beagles. Os de quatro patas, digo.
Eles, suponho, não foram consultados sobre sua participação
em pesquisas. Provavelmente prefeririam vagabundear pelas ruas, correr atrás de
alguns gatos e virar as latas de lixo das esquinas. O problema é que, sem eles,
sem os beagles, os ratos, as cobras e as outras cobaias, sem eles não haveria
esses medicamentos avançados e muitas, muitíssimas pessoas morreriam de câncer
e centenas de outras doenças.
Logo, nós beagles, com ou sem consentimento, prestamos
valioso serviço à Humanidade e até a outros animais que sorvem oxigênio debaixo
do sol, já que todos, homens e bichos, são inescapavelmente atacados por
doenças. É por isso que sou a favor de experiências com animais, desde que eles
não sofram. Ou que sofram o mínimo possível.
Mesmo assim, entendo o movimento de seres humanos em defesa
dos beagles de laboratório. Os beagles todos, com exceção deste que vos
escreve, são tão bonitinhos. O Snoopy é um beagle, não é? Então! Bonitinhos.
Entendo até que os seres humanos não invadam laboratórios
para salvar ratos e cobras. Não consigo imaginar um defensor de animais
arrombando um centro de pesquisas e, depois, sair dele aninhando nos braços
amorosos uma ratazana ou uma serpente. Normal. Ratos e cobras não são tão
bonitinhos. Eu mesmo, quando me classifiquei como cobaia lá em cima, no cume do
primeiro parágrafo, não disse que sou um rato, não disse que sou uma cobra;
disse que sou um beagle. Muito melhor ser um beagle. Eu sou um beagle.
Certo.
Agora, como cobaia assumida, como um beagle feliz, tenho a
tendência de achar que as pessoas que sabotam pesquisas científicas sejam
obscurantistas, sejam espíritos medievos. Nada disso. Elas são apenas vítimas
da sua própria compaixão. Vítimas dos ardis da Natureza. Porque é assim que a
Natureza funciona. Bebês e filhotes são fofos e mimosos exatamente porque são
inofensivos. A beleza é a forma que eles têm de comover eventuais predadores e,
às vezes (nem sempre), sobreviver. Li isso em algum lugar, acho que na National
Geographic. Portanto, salvem os beagles, morram as cobras e as ratazanas.
Afinal, beagles são tão bonitinhos.
O AGOSTO QUE VIRÁ
O maldito 2013 ainda não acabou. Faltam 37 dias, uma
eternidade.
Tenho medo.
Esses anos ímpares, francamente. A boa notícia é que, mais
um ano terminado em 13, só daqui a um século. Fica o alerta: cuide-se com 2113!
Não confie nisso de que o 13 não dá azar. Não confie no Zagallo.
Outra boa notícia, algo que descobri esta semana, é que
agosto de 2014 terá cinco sextas, cinco sábados e cinco domingos. Disseram-me
que isso, por algum motivo, é muito bom. Acredito. Preciso acreditar em bons
augúrios. Então, estou esperando com ansiedade esse luminoso agosto de 2014.
Espero estar respirando e forte para atravessar seus 31 dias com garbo e ver
setembro chegar, e com ele a primavera.
O que faremos com tantos finais de semana em um único mês?
Viagens? Viagens são superestimadas. Há quem diga que a verdadeira
personalidade de uma pessoa é revelada em uma viagem. Não é bem assim. O que
você descobre, numa viagem, é se uma pessoa é insuportável. Um amigo meu, certa
feita, conheceu uma moça, teve com ela um interlúdio, empolgou-se e a convidou para
um passeio de uma semana pelo Nordeste. Começaram a se odiar no avião,
sobrevoando o Atlântico, na altura do Rio. Voltaram em voos diferentes. Nunca
mais se falaram.
Só que a distância também pode maquiar os defeitos. Numa
viagem prazerosa, tudo é... bem... prazeroso. O ramerrão do dia a dia é que
mostra quem é quem. O ramerrão do dia a dia é que mostra a diferença entre
gigantes e anões, mulheres e meninas.
Bem. Se você gosta da sua própria companhia, pode viajar
sozinho. O meu amigo Dinho, o Fernando Eichenberg, uma vez alugou um carro e
passou 15 dias circundando a ilha da Córsega. Esteve sempre sozinho, e feliz.
O problema é que as pessoas precisam de testemunhas para
viver. Eis a lógica do casamento. Os integrantes de um casal são testemunhas da
vida um do outro. Uma testemunha é uma prova de existência. A pessoa só existe
quando as outras pessoas sabem que ela existe, quando os outros testemunham sua
vida. Essa também é a lógica do Facebook.
Devo entrar no Facebook em 2014? E, já ia esquecendo, o que
farei com os cinco finais de semana do próximo agosto? O que farei com todo o
próximo ano? Não sei. Aí é que está. Eu não sei. Só sei que 2014 urge. E que o
maldito 2013 está no fim. Que se vá. Mas não vou cantar vitória antes do tempo.
Faltam 37 dias. Uma eternidade.
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