segunda-feira, 25 de novembro de 2013


25 de novembro de 2013 | N° 17625
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Conversa com o Gênio da Lâmpada

– Quero as estrelas, Senhor Gênio.

– Sinto, Mestre, foram doadas. – Que tal os oceanos?

– Lamento. Já têm proprietário. – E as cordilheiras?

– Um argentino pediu no século passado.

– Não sobrou nada, Senhor Gênio?

– Quase nada. Saio desta lâmpada um tanto raramente, mas os pedidos em carteira são inumeráveis. Vêm de séculos. Além disso, sou proibido de sugerir desejos, ou me transformo num sapo que jamais vai virar príncipe.

– Poder? Riquezas?

– Nem pensar.

– A Rainha Nefertiti no zênite de seu esplendor?

– Não era para eu lhe contar, mas a múmia do faraó raptou.

– Veneza numa manhã de dezembro, um sol que não era para estar ali incendiando de repente os cabelos soltos da mulher que eu chamava de Kathleen?

– Essa Kathleen fundou uma igreja, e Deus, como o Mestre sabe, é um cara muito ciumento.

– Aquela praia do Pacífico, imensa, de um azul-cobalto, onde sonhei erguer minha casa definitiva?

– Foi loteada por um argentino. É um condomínio de 10 mil apartamentos sem luz.

– O solar que habitei em minha penúltima existência, em Estoril, um perto do cassino?

– O Fernando Pessoa reclamou, mas quem levou foi seu único heterônimo desconhecido.

– As ruínas daquele palácio na Turquia, o que guarda no subsolo toda a sabedoria do universo?

– Jazem no fundo do Mar de Mármara e os únicos leitores pertencem a uma tribo ignota de celacantos.

– E aquela praça triangular e mínima em Paris, a que fica a um passo do Pont Neuf, mas ninguém mais sabe o rumo até ela, a não ser eu e Chantal?

– Chantal casou com um argentino e vive em Buenos Aires.

– Putz, Senhor Gênio: não restou coisa alguma?

– Bom, tenho um país. Cobra impostos de primeiro mundo mas oferece serviços de terceiro ou quarto. É uma bagunça permanente de mascarados. O esporte nacional é a construção de estádios de luxo, até em lugares onde não há times de futebol. A corrupção é endêmica. Topa esse, Mestre?


– Não, por favor, Senhor Gênio. Dê para algum médico argentino.

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