ANTONIO
PRATA
Separações
Agora
ele chega na sala, senta ao lado dela, no sofá, olha pra parede e diz que
precisam conversar
Ele
era engenheiro, gostava de filmes de ação e corria na esteira três vezes por
semana. Encarava o sexo como uma necessidade fisiológica, uma exigência
corporal que surgia mais intensa quanto mais descansado estivesse: ao acordar.
À noite, exausto, só queria tomar uma cerveja e dormir.
Ela
era pintora, detestava "filme de carro explodindo" e praticava hatha
yoga. O sexo, para ela, era "cosa mentale": o desejo ia crescendo
durante o dia, a fantasia se desenhando nas cochias do pensamento e só ao se
deitar na cama, antes de dormir, começava o espetáculo.
Quando
se conheceram, não atinaram para o problema de fuso horário --no jet lag da
paixão, toda hora era hora--, mas, assim que o fogo abaixou e o sexo teve de
encontrar seu escaninho no armário da rotina, as diferenças apareceram.
Separaram-se
faz um mês. Ironicamente, ele sente mais falta dela à noite, enquanto toma sua
cerveja e espera o sono; ela sofre mais ao acordar, só, de manhãzinha.
Da
primeira vez que ela foi à casa dele, viu na cama desarrumada, nos vinis
espalhados pelo chão e na geladeira vazia --meia garrafa de vinho e três sachês
de ketchup (vencidos)-- uma postura rock'n'roll, um desprendimento libertador,
uma superioridade quase beática.
Da
primeira vez que ele foi à casa dela, viu nos tupperwares etiquetados, nas
flores da jardineira e no mural do escritório sua possível salvação: sonhou com
um futuro de refeições balanceadas, vinis em ordem alfabética e contas no
débito automático.
Por
seis meses, ela resistiu às toalhas molhadas na cama, aos discos espalhados
pela casa e às caixas de pizza no sofá; "A única coisa que eu pedia era
pra ele botar o telefone na base. Se você ama mesmo uma pessoa, é capaz de
fazer esse mínimo esforço, não é?". Separaram-se faz uma semana. Ontem de
madrugada, a caminho do banheiro, ela viu a luzinha verde da bateria, na base do
sem fio, e caiu no choro.
Eles
gostavam dos mesmos filmes, dos mesmos livros, das mesmas bandas, dos mesmos
pratos nos mesmos restaurantes, riam das mesmas piadas, queriam conhecer os
mesmos países e ter um filho chamado Frederico. Depois de cinco anos, contudo,
se cansaram daquela mesmice. Ela disse que estava pensando em se separar, ele
disse que vinha pensando o mesmo. Ontem, ao partir, ela o fez prometer que
jamais teria um filho chamado Frederico. Ele prometeu --e pediu o mesmo.
Já
ela, nesses dez anos, não foi absolutamente fiel. Transou com um colega de
trabalho e com um ex-namorado de adolescência, que encontrou por acaso em
Salvador. Nada sério, só desejo: ela tem certeza absoluta de estar ao lado do
homem que ama e jamais cogitou trocá-lo por alguém.
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