27
de novembro de 2013 | N° 17627
LUCIANO
ALABARSE
Entre o sagrado e o profano
Então
é Natal. Já? Outra vez? Já. Outra vez. Quando criança, olhava o céu imponderável
dos dezembros esperando revelações transformadoras. Desde minha inclusão na
equipe do Natal Luz de Gramado, Natal pra mim significa trabalho duro o ano
inteiro.
Mal
consigo olhar as nuvens da serra gaúcha. Renas coloridas, anjos de papelão e
cucas de mel sorridentes dividem minha atenção com bastidores urgentes e
efeitos de luz de última geração. Dia 24, acordo dramático como um personagem
de Ibsen.
Penso
em inventar desculpas para não ir à casa de minha irmã, mas vou, e lá encontro
uma ceia que poderia alimentar o bairro inteiro, o disco da Simone, a família
de mãos dadas em volta da mesa, uma alegria quase obrigatória a lembrar a paz
edulcorada das propagandas da ocasião. Entre doces e salgados, meu coração
kantiano, envergonhado, bate feliz.
Onde
me criei, na vila Bom Jesus, uma igreja evangélica marcou minha infância com
uma frase chapante, rabiscada na parede amarela: “Para Deus não existem os
impossíveis”, assim no plural. Meu coração de criança, habitado por luz, mistério
e remissões transcendentes, se enchia de expectativas epifânicas.
Que
o Deus me viesse como uma frase da Clarice Lispector, era o que eu queria, pois
nunca consegui ser ateu. Mesmo os meus mais recalcitrantes amigos entendem meu “defeito
de fabricação”, que a fé, humana e divina, é parte essencial da minha formação.
Adélia Prado falando sobre a Virgem Maria me converteu à santa com uma devoção
imediata. Eu e Paulo de Tarso na estrada de Damasco.
Também
levo comigo a guia que um médium baiano me alcançou na rua, do nada, dizendo
que Xangô, onde eu estivesse, me protegeria. Em Roma, vendo o São Jerônimo
pintado por Caravaggio, horas a fio frente ao quadro hipnótico, me dei conta de
que aquele santo rodeado de livros e velas era o mesmo Xangô que rege minha
cabeça e me defende e guarda. Desde então, misturei em mim, na boa, a missa e o
saravá, o catolicismo e a umbanda.
O
sagrado e o profano me equilibram. Gosto de, ajoelhado em igrejas vazias, pedir
bênçãos ao meu Deus inalcançável, ir a casas espíritas fazer oferendas aos orixás
regentes do Ano-Novo, vestir camisetas de santos que sangram. Que ninguém
pense, porém, que sou um carola repressor, que isso não sou. Tenho horror de
gente que empunha a Bíblia como uma arma. Deus pra mim é Vento, Flor, Formiga.
A única
coisa que não escolhi foi torcer para o Inter. Meu pai mandou, e eu obedeci. Mas
escolhi ter fé, e minha fé não prejudica ninguém. Eu e Bethânia adoramos Xangô,
Jesus, São Jorge e a Virgem Maria. Mas em dezembro gosto mesmo é da turma do
Papai Noel. Porque é Natal. Já? Outra vez?
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