19
de novembro de 2013 | N° 17619
DAVID
COIMBRA
A felicidade e a dor
O
maior casamento do século 18 talvez tenha sido o de Mary Wollstonecraft com
William Godwin, na velha Londres. Ele foi um dos fundadores do anarquismo; ela,
uma das fundadoras do feminismo.
Mary
Wollstonecraft é uma das mulheres mais importantes da História da Humanidade. Há
quem a considere a mais importante. A número 1. Foi ela quem escreveu a “Reivindicação
dos Direitos da Mulher”, e formou a base de tudo o que é o feminismo hoje. Dilmas,
Angelas Merkels, Cristinas Kirchners e você, menina imatura, devem muito a Mary
Wollstonecraft.
A
união de Mary com William gerou outra grande mulher, Mary Wollstonecraft
Shelley. O Shelley de seu nome é de Percy Shelley. Esse Shelley era um poeta
famosíssimo na época e apreciado ainda hoje por críticos e especialistas (mas só
por críticos e especialistas). Ele era casado, quando conheceu Mary, mas
apaixonou-se furiosamente por ela e ela por ele. Tornaram-se amantes por anos. Percy
ainda teve outro filho com a esposa, mas continuou firme com Mary. Um dia, o
corpo da esposa apareceu boiando em um rio. Percy e Mary finalmente se casaram,
e ela tornou-se uma Shelley feliz.
A
irmã de Mary era amante de outro poeta, ainda mais célebre: o bonitão Lord
Byron, autor de poemas ainda hoje admirados (não só por críticos e especialistas)
e de uma frase de que gosto muito:
“A
recordação da felicidade já não é felicidade; a recordação da dor ainda é dor”.
Bem.
Esse grupo de amantes intelectuais se reunia frequentemente e, desses
encontros, florescia não só o prazer, como também a arte. Lord Byron e Shelley
teceram muita poesia inspirados pelas irmãs, mas, de tudo o que foi feito, nada
superou o que fez a jovem Mary Shelley: ela escreveu o clássico “Frankenstein” exatamente
numa dessas reuniões.
Eis
o espetacular da história. Mary estava cercada de intelectuais poderosos. Seus
pais foram revolucionários, seu amante e marido era talentoso, o amante de sua
irmã mais talentoso ainda, mas foi ela quem urdiu a obra imortal e é ela quem a
posteridade mais reconhece. Quando viva, Mary Shelley não tinha tamanha
consideração de seus contemporâneos. Depois da morte de Shelley, passou o resto
da vida dedicada a elevar a obra do marido. Quer dizer: talvez nem ela mesma se
valorizasse tanto quanto devia. Mas o tempo mostrou quem era quem.
O
distanciamento é capaz disso. O olhar em perspectiva. Como fui sofrer tanto por
causa do desamor dessa mulher que agora considero uma mulher menor? Por que
lutei tanto por essa causa fútil? Como deixei escapar aquela chance única?
À distância
você vê o tamanho real das coisas e das pessoas. Clemer e Renato eram grandes técnicos?
A classificação para a Libertadores foi mesmo importante? Lula foi mesmo o novo
Getúlio Vargas? Aquele tempo foi bom ou ruim? Depois que tudo passa, tudo fica
em sua real dimensão. Mas, antes, tem de passar. Porque, como disse Lord Byron,
a recordação da felicidade já não é felicidade; a recordação da dor ainda é dor.
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