24 de novembro de 2013 | N° 17624
MARTHA MEDEIROS
De
onde vem a nossa dor
A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago
vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de
onde?
Ela vem da história que você meio que viveu, meio que criou
– é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com
os fatos. Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras
distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos oficializar e
passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas emocionais.
Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a sério o
que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os outros – uma
insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os outros? Pensamos no
lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado. Nossa dor existencial vem
dessa transferência descabida.
Nossa dor existencial, além disso, vem de modelos projetados
como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer
faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter
filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem
você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe
mesmo uma lógica nas escolhas?
Como se não bastasse, nossa dor existencial vem do que não é
escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é
pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma
pergunta irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a
ser carregada.
Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que
recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma proposta
negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma conscientização
das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem traumas ou convites
à desistência.
Nossa dor existencial vem do bebê bem tratado que fomos,
nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam
nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire,
meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou
totalmente de ser criança?
Nossa dor existencial vem da incompreensão dos absurdos, da
nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja pelos mais favorecidos, da
raiva por não atenderem nossos chamados, por cada amanhecer cheio de promessas,
pela precariedade das nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos:
por que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos?
Dor de dente vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor
nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum
plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.
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