WALCYR
CARRASCO
29/11/2013
20h48 - Atualizado em 29/11/2013 20h48
Abaixo Papai Noel
Por
que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”
Acho
que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel.
Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia
brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela
usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25,
acordava surpreso.
– Mas
não vi o Papai Noel.
– Ele
passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros
presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.
Pacientemente,
eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria
ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.
– Papai
Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele
dará um jeito.
Foi
decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão
engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai
Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o
segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino
quer um cavalo de corrida...
Penso:
por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do
politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de
Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para
ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e
fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser
Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa
criancinha insistente.
Sua
lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava,
anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem
tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai
Noel também é chamado de São Nicolau.
Mora,
para alguns, no Polo Norte. Para outros, na Lapônia, onde vive cercado de elfos
mágicos, que trabalham sem ganhar hora extra, nem ter direito a férias ou décimo
terceiro salário. Hoje, fabricam até videogames! Sua imagem atual foi criada
por Thomas Nest, numa ilustração da revista Harper’s Weekly, que só se
popularizou ao ser usada numa campanha da Coca-Cola, em 1931.
Particularmente,
fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por
trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”.
Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes
que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter
passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se
tornou só uma invenção lucrativa do Natal.
Eu
adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos
amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério.
Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se
comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel.
Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na
chaminé.
Já que
a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios
recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá,
escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas
crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim,
uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um
sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz,
com um brinquedo que não poderia ganhar da família.
Talvez
esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de
presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime
que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me
presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.
Insisto:
abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com
o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir
numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não
existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A
primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber
simplesmente que nunca existiu.
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