29
de novembro de 2013 | N° 17629
ARTIGOS
- Ibsen Pinheiro*
Réus poderosos
Tenho
lido tanto, nos últimos meses, sobre as festejadas prisões de poderosos, que
fico a me perguntar sobre o que mudou em nosso país. Passei a infância, a
adolescência e boa parte da maturidade sabendo que por aqui só se prende ladrão
de galinha, figura extinta por falta de galinhas no pátio, não de ladrões, que
hoje roubam ou furtam coisas mais e menos valiosas, e, incrivelmente, poucos
são presos. Ou são pouco presos, já que entram e saem dos presídios com
velocidade maior do que a dos visitantes.
Agora
é ser poderoso. Ou parecer poderoso. Primeira página, algemas, habeas corpus
negado, prisão prolongada e longas entrevistas judiciais (antes, juiz só falava
nos autos) sustentando o fim da impunidade são a marca invariável e repetida de
todos os poderosos recolhidos, e chego a me perguntar se aconteceu de fato a
troca de mão, ser poderoso dá cana, ser fichinha dá piedade diante das
injunções sociais que engendram a criminalidade dos miseráveis e adjacentes.
Até
que uma dúvida nova me assalta, ato corriqueiro, como se sabe. Assaltado, me
rendo, segundo a regra. Quem é poderoso? Será poder efetivo algo que some com a
primeira manchete negativa, às vezes com uma simples legenda de página interna,
nem sempre verdadeiras?
Primeira
e nova conclusão: poderoso não tem fama de poderoso. Tem poder real, não cuida
de ostentá-lo, faz o contrário, disfarça. Se não der, por causa do patrimônio,
finge que é ladrão de galinha, milhões de galinhas. E se afasta da publicidade,
deixando-a para deleite dos falsos poderosos, artistas, boleiros ou políticos,
exemplos perfeitos para construir a imagem do fim da impunidade.
Pois
não é que agora vem por aí um teste real? O Supremo Tribunal Federal está para
julgar faz tempo um processo que deve decidir sobre os créditos dos que
perderam com a correção amputada de suas poupanças nos confiscatórios planos
econômicos dos anos 1980 e 1990, dos menos votados ao famigerado Plano Collor.
De um lado, os poupadores, pequenos poupadores, pequeníssimos na imensa
maioria, e, de outro, o sistema financeiro, público ou privado, mas imenso, e
que, sonegando a correção real, faturou os tubos e mais alguma coisa.
Números
baixos falam em um passivo de R$ 8 bilhões, os altos vão a quase 200 (também
bilhões) e delírios chegam a trilhão, já como ameaça de quebra de todo o
“sistema”, modo de dizer que nesse caso o prejuízo é de todos. Incrível como
dinheiro privado, intocável, se transfigura em público na hora da crise. Talvez
por isso Bertolt Brecht não compreendia a lógica de assaltar bancos, quando é
tão mais seguro fundar um.
O
certo é que a pauta do Supremo – que nesse caso não tem a mesma celeridade tão
festejada dos últimos tempos– vai ter a oportunidade, espera-se que ainda em
2014, de condenar poderosos, não à cadeia, o que nem sequer renderia uma nota
de pé de página (não são famosos, são só poderosos), mas impor a pena onde mais
lhes dói: no bolso.
*JORNALISTA
Nenhum comentário:
Postar um comentário