sábado, 16 de novembro de 2013


16 de novembro de 2013 | N° 17616
NÍLSON SOUZA

O porco de duas cabeças

No tempo em que estudei jornalismo, lá por mil novecentos e antigamente, os professores costumavam utilizar uma citação do norte-americano Charles Anderson Dana para explicar aos alunos o conceito de notícia. “Se um cão mordeu um homem, isso não é notícia. Mas se um homem morder um cão, isso é notícia” – sentenciou o ex-editor do New York Sun para o folclore e para a história da profissão.

A metáfora sempre funcionou, pois evidencia o aspecto inusitado e surpreendente pelo qual um fato tende a virar notícia. Mas havia muito mais: notícia também era aquilo que tinha interesse público, que informava, que emocionava, que acrescentava alguma coisa na vida das pessoas. Escrevi “era” conscientemente. Tenho dúvidas sobre se ainda é.

A televisão já vinha embolando o jogo da informação, com frequentes misturas entre jornalismo e entretenimento. Com a chegada da internet e da disputa desenfreada por audiência, os limites desapareceram por completo. Outro dia, li que uma das notícias mais acessadas do dia era o arroto da cantora Anitta, “proeza” realizada durante uma visita à serra gaúcha. Como assim? – me indaguei. O tal Dana deve estar se revirando no túmulo.

Mas são outros tempos. Toda vez que meu companheiro Moisés Mendes vê alguém olhando para o conjunto de telas instalado no centro da nossa Redação, que, entre outras informações, apresenta o ranking de acessos às notícias online do dia constantemente atualizado, ele brinca:

– O porco de duas cabeças lidera a corrida...

Pior é que o bicho já andou mesmo por lá. A notícia sobre o animalzinho deformado nascido na China ficou algum tempo entre as mais lidas pelo público. Tudo bem, essa até pode entrar no velho conceito do homem mordendo o cão. E aberrações sempre despertam a curiosidade das pessoas. Mas não posso me conformar com tamanho reducionismo. Se jornalismo não for mais do que isso, parem o planeta que eu quero descer.

Nem tudo está perdido, porém. Nesta semana mesmo, Zero Hora ganhou o maior prêmio de jornalismo do país com uma reportagem dignificante para o nosso ofício. O trabalho dos companheiros José Luís Costa, Humberto Trezzi, Marcelo Perrone e Nilson Mariano trouxe à luz um capítulo obscuro da história do país, a prisão do ex-deputado Rubens Paiva durante o regime militar. Ficamos todos orgulhosos.

Menos Anitta e o porco bicéfalo. Azar deles.


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