25 de novembro de 2013 | N° 17625
ARTIGOS - Paulo Brossard*
Desfaçatez
Escrevendo outro dia sobre o mensalão, notei que o processo
se estendera por oito anos ou nem tanto, tendo em vista o número de acusados,
38, cada qual com suas peculiaridades, e este dado poderia explicar a aparente
demora do feito.
O certo é que sua inegável singularidade fez com que o
andamento do processo fosse acompanhado pela opinião pública. Se não estou em
erro, o resultado foi bem recebido, embora de início um certo ceticismo
mareasse a iniciativa, fosse pela gravidade dos fatos articulados, fosse pelo
envolvimento neles de algumas personagens; muitas vezes ouvi que terminaria em
pizza. No entanto, volto a dizer, a decisão em geral foi bem recebida pela
coletividade, tanto que não faltou quem visse nele o sinal de uma nova era, a
derrota da corrupção e até seu extermínio. Note-se que dos 38 acusados 25 foram
condenados e 12 absolvidos.
Por sua origem e destinação, o caso teve repercussão e
ninguém poderia esperar que os acusados pudessem merecer a “legião de honra”,
no entanto, um dos condenados, em escrito de sua lavra, por ele publicado no
dia de sua prisão, permitiu-se asseverar que a Suprema Corte fizera “do caso um
julgamento de exceção e político”...
Quando se afirma que “a sentença é espúria”, quando se
proclama que o Supremo Tribunal Federal “fez do caso um julgamento de exceção e
político”, o fato adquire proporções inauditas e de particular ineditismo, uma
vez que os condenados de condenados passam a acusadores e o Poder Judiciário
deixa de ser juiz para se converter em vilão, passando a ser alvo da insigne
ofensa. A partir daí, começou a ser repetida a qualificação dada pelos
condenados da sentença que os condenou. “Julgamento político” passou a ser o
chavão.
Chamou-me a atenção um grupo de adolescentes portando
cartazes nos quais se usava a nódoa do “julgamento político”. O ardil empregado
pelos condenados revela à evidência as habilidades por eles possuídas, como se
a condenação não passasse de uma conduta condenável do Poder Judi- ciário a
isso se reduziria a uma “sentença espúria” e a um “julgamento de exceção”.
Muitas considerações poderiam ser articuladas, mas ficarei
em uma e das mais singelas, nem por isso menos digna de exame. Basta lembrar
que a maioria absoluta do Supremo Tribunal, que teria editado “sentença
espúria”, e que de uma questão judicial teria se convertido em “um julgamento
de exceção e político”, em sua maioria absoluta, repito, oito em 11, fora
nomeada por presidentes do PT. Sem o voto dessa maioria, a Corte não poderia
concluir como concluíra, mas nada disso embaraçava a permissividade revelada
pelos condenados em envolver o Poder Judiciário. Astuciosamente os condenados
cediam o seu lugar ao Supremo Tribunal.
Com essa manipulação, membros da quadrilha destinada a
manejar gordas quantias para fins ilícitos seriam acobertados sob a designação
falaz de julgamento político. Poderia estender-me a respeito, mas acredito
haver dito o suficiente para sinalar a felonia assacada por condenados contra a
mais eminente Corte de Justiça da nação que os condenou.
Atinge as raias da desfaçatez o desembaraço com que
condenados pela Justiça dela escarnecem, rotulando-a de espúria e de exceção.
*Jurista, ministro aposentado do STF
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