21
de novembro de 2013 | N° 17621
L.F.
VERISSIMO
Fatos e lendas
No
dia 22 de novembro de 1963, a Lucia e eu éramos as únicas pessoas felizes numa
certa rua de Copacabana. Todas as outras (está bem, imagino que quase todas as
outras) estavam no mínimo preocupadas com o que tinham acabado de saber, a notícia
da morte do presidente Kennedy em Dallas. Pobre do presidente Kennedy.
Tão
moço, tão simpático, com uma família tão bonita. O que significava aquela
morte? O que viria depois daquilo? Era um golpe? Não era um golpe? Que país
maluco! A Lucia e eu tínhamos acabado de ficar noivos. É, naquela época se
noivava. Já estávamos com as alianças, compradas numa joalheria da Santa Clara,
e fomos tomar uma Coca-Cola no Cirandinha para comemorar. Felizes da vida.
Depois
ficou difícil não se emocionar com as imagens que viriam. O enterro, o garoto
fazendo continência para o esquife do pai, as caras desoladas na multidão,
todas as esperanças da nação no jovem e dinâmico presidente abatidas por um
assassino – ou mais, até hoje se discute quantos.
Nos
anos que se seguiram, a emoção e a memória daqueles dias alimentaram o mito. Mas,
ao contrário do que costuma acontecer com os mitos, o do Kennedy foi perdendo o
lustre com o tempo. Livros sobre “o verdadeiro” Kennedy se tornaram tão comuns
quanto teorias conspiratórias sobre a verdadeira história do seu assassinato.
Kennedy
devia sua presidência ao dinheiro e ao poder do seu pai, que tinha ligações notórias
com o submundo do crime organizado. Seus atos heroicos na guerra e sua experiência
diplomática eram forjados. Ele e Jacqueline formavam um par perfeito, pelo
menos visualmente, mas ele a enganava desde o começo do casamento.
Ele
não tinha feito tanto pelos direitos civis dos negros quanto dizia o mito. Se
iria ou não retirar as tropas americanas do Vietnã se não tivesse sido assassinado
é debatível. Até sua atitude firme na crise dos mísseis russos em Cuba, segundo
muitos o seu melhor momento, é criticada pelo novo revisionismo. Ele teria
cedido mais do que o necessário aos russos.
Como
é mesmo aquela frase do filme do John Ford? Quando os fatos desmentem a lenda,
publique-se a lenda. Lyndon Johnson, que substituiu Kennedy, foi mais radical
do que ele nas questões dos direitos civis e de programas sociais. Mas sofreu
com a comparação, não com os fatos do governo Kennedy mas com o mito, com a
lenda do que poderia ter sido. E nenhuma revisão ainda conseguiu acabar
totalmente com a lenda.
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