17
de novembro de 2013 | N° 17617
FABRÍCIO
CARPINEJAR
As mentirinhas
perversas
Protegemos nossas pequenas mentiras em vez de cuidar
do relacionamento.
— O
que está pensando? — Por que fez aquilo?— O que deseja?
Não
respondemos o que vem à cabeça, filtramos o que seria mais importante falar, o
que daria mais ibope, o que nos fortaleceria naquela situação.
A
vontade de agradar é maior do que a vontade de ser verdadeiro. Não aceitamos
nossas imperfeições, e mascaramos os defeitos com imprecisões. A vergonha de
errar nos leva aos grandes erros.
Sem
querer, já estamos mentindo. E mentimos porque a verdade não impressiona. A
verdade não tem roupa de festa. Ela fica abandonada enquanto exercitamos as
mentirinhas. Não nos sentimos culpados, pois ninguém conhece a nossa verdade.
Batemos
o pé por bobagens, compramos brigas desnecessárias, geramos discussões à toa.
Usamos
a toalha do outro por engano. Pode estar encharcada e sustentamos que não foi a
gente. Comemos um doce reservado na geladeira e somos capazes de jamais admitir
a autoria e desfazer o mal-entendido. Quebramos um objeto na sala e fingimos
que ele sumiu de repente.
Era
algo simples de ser assumido, e deixamos passar. Criamos uma avalanche a partir
de uma pedra de gelo. Não confessamos o que aconteceu, e o costume ainda é
incriminar quem nos chamou atenção, invertendo o jogo: - Não acredita em mim?
Trocamos
a espontaneidade pelo orgulho, a franqueza pela persuasão. Subestimamos quem
nos escuta ou não nos julgamos dignos do que pensamos. Planejamos o nosso
depoimento para soar natural. Premeditamos nossa conduta para receber somente
elogios. Ao evitar os castigos e reprimendas, evitamos também a autenticidade.
Uma
mentirinha é logo esquecida em nome de uma nova e não acompanhamos os juros.
A
mentira é um modo de não ser julgado. Mas estamos nos condenando secretamente a
nos afastar do que nos incomoda.
Nem
é mentir no início de um relacionamento, o que é perdoável, é exagerar um pouco
por dia. Sobre o emprego. Sobre o sexo. Sobre o amor. É falsificar nossa
pobreza. Colocar uma manta para cobrir o sofá rasgado. A partir de uma resposta
mais agradável, desviamos o caminho, distorcemos algumas frases e somos
obrigados a inventar todo um passado.
Prefiro
estar acompanhado numa estrada real, ainda que penosa, do que viver sozinho em
minha imaginação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário