17
de novembro de 2013 | N° 17617
O
CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
As férias da Família
Nogueira
Recebi
um release com o seguinte título: “Férias da família Nogueira em Orlando”.
Peço
desculpas contritas aos meus amigos assessores de imprensa, mas a verdade é
que, em geral, não leio releases. Não por menoscabo à utilíssima profissão de
assessor; por falta de tempo. Recebo e-mails em demasia, tantos que acabo
desistindo de quase todos, não sem um suspiro de pesar pelas informações
importantes que estou perdendo. Então, ignoro os releases, mas este, “Férias da
família Nogueira em Orlando”, este me chamou a atenção.
Fiquei
matutando. Em primeiro lugar, considerei interessantíssimo o fato de a família
Nogueira dispor de assessoria de imprensa. Não são todas as famílias que contam
com esse aparato. Os Pereira, os Pacheco, os Silveira, os Teixeira e os Silva,
todos tradicionais como os Nogueira, nenhum desses possui assessoria, que eu
saiba.
Em
segundo lugar, foi ainda mais interessante o fato de o assessor de imprensa da
família Nogueira, e por consequência a própria família Nogueira, achar que as
informações acerca das férias da família Nogueira em Orlando devam ser
publicadas pela imprensa e lidas pela população. Aí estava algo realmente
especial. Fui em frente com o release e deparei com um texto precioso:
“A
linda Milena Nogueira conseguiu uma brecha em sua agenda e na do seu marido,
Diogo Nogueira, para realizarem um pedido especial do filho Davi. Em companhia
do irmão Matheus Graf, foram aproveitar alguns dias na Disney, em Orlando,
Estados Unidos. Embarcaram no final de outubro e desfrutaram de toda a magia do
local em família, inclusive a mãe do sambista, Angela Nogueira, também os
acompanhou nessa linda viagem”.
Arrá!
A família Nogueira é a do sambista Diogo Nogueira, personagem de alguma
celebridade. Mas, note, curioso leitor, que o sambista não é protagonista do
release. A protagonista é a supracitada “linda Milena Nogueira” e sua família
em justo gozo de férias. Tanto que, dois parágrafos abaixo, resplandecia um
elucidativo intertítulo:
“Sobre
Milena Nogueira”.
Era
do que eu precisava! Corri para o texto, sequioso por saber mais sobre Milena
Nogueira, destacada como “linda” por sua assessoria, e que anseia pela
divulgação das ocorrências de suas férias em Orlando. Lá estava: “Milena
Nogueira esbanja beleza e simpatia aos 36 anos e sintetiza a mulher moderna:
trabalhando, cuidando da família, sem descuidar da sua individualidade. Mãe de
dois filhos e casada com o cantor Diogo Nogueira, Milena é formada em Educação
Física e atua como personal trainer, figurando no rol das mais requisitadas
profissionais da área.”
Essa,
então, é Milena Nogueira. Esbanja beleza e simpatia aos 36 anos e sintetiza a
mulher moderna. Gostei de saber. Talvez todas as pessoas devessem ter
assessoria de imprensa.
“José
Carlos. Zelador de edifício. Muito bom em serviços gerais. Ninguém desentope
uma caixa de gordura como ele. Nos domingos, adora arroz com galinha”.
“Ingrid.
Loira como uma valquíria. Gosta de correr e de observar as pessoas da janela do
seu apartamento. Seu último namorado a decepcionou. Tem andado triste nesses
dias de primavera”.
“Fernanda.
Queria ser atriz, mas acabou cursando Publicidade e Propaganda. É apaixonada
por um fotógrafo que tem pouco tempo para ela. Pensa em passar o Réveillon na
Praia Brava, mas talvez vá para Cidreira.”
“David.
Escritor e jornalista de província. Já viveu dias melhores, mas também já viveu
piores. Ou não? Ele não tem certeza. Ele não sabe de nada. De fato, ele não
sabe de nada.”
Minhas
férias
Nas
priscas eras de colégio, na volta às aulas, a primeira coisa que a professora
pedia era uma composição debaixo do título “Minhas férias”. Chamava-se
composição, não redação. Às vezes a gente tinha de ler o texto na frente da
turma. Minhas férias. Lembro dos colegas contando sobre as bicicletas que
ganharam no Natal, sobre o veraneio no Litoral, sobre almoços domingueiros com
os primos. Tudo muito enfadonho, sobretudo para quem não tinha bicicleta, casa
na praia ou primos aos cardumes, como eu.
Uma
vez, escrevi um “Minhas férias” clandestino. Teci-o em casa, um texto que
jamais entreguei para a professora ou para qualquer outro ser humano. Assim:
“Minhas
Férias
Neste
verão, descobri que amo de verdade a Maria Cristina. Somos colegas desde o
jardim. Ela senta na terceira cadeira da terceira fila, no meio. Ela é morena e
magra. Ela fez uma reunião dançante na festa de aniversário dela. Fiquei um
pouco chateado, porque ela não me deu muita bola, mas, no fim, nós dançamos uma
música lenta. Senti o cheiro do rosto dela e ela alisou minha nuca. Foi quando
me apaixonei realmente.
Durante
várias tardes das férias, caminhei até a frente do prédio da Maria Cristina.
Não fiz nada, só fiquei do outro lado da rua, olhando. Maria Cristina nunca
apareceu, enquanto eu estava lá. O que eu faria, se ela aparecesse? Não sei. Só
sei que amo a Maria Cristina”.
Acho
que fiz bem em nunca ter mostrado aquela composição a ninguém.
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