sábado, 16 de novembro de 2013


17 de novembro de 2013 | N° 17617
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

As férias da Família Nogueira

Recebi um release com o seguinte título: “Férias da família Nogueira em Orlando”.

Peço desculpas contritas aos meus amigos assessores de imprensa, mas a verdade é que, em geral, não leio releases. Não por menoscabo à utilíssima profissão de assessor; por falta de tempo. Recebo e-mails em demasia, tantos que acabo desistindo de quase todos, não sem um suspiro de pesar pelas informações importantes que estou perdendo. Então, ignoro os releases, mas este, “Férias da família Nogueira em Orlando”, este me chamou a atenção.

Fiquei matutando. Em primeiro lugar, considerei interessantíssimo o fato de a família Nogueira dispor de assessoria de imprensa. Não são todas as famílias que contam com esse aparato. Os Pereira, os Pacheco, os Silveira, os Teixeira e os Silva, todos tradicionais como os Nogueira, nenhum desses possui assessoria, que eu saiba.

Em segundo lugar, foi ainda mais interessante o fato de o assessor de imprensa da família Nogueira, e por consequência a própria família Nogueira, achar que as informações acerca das férias da família Nogueira em Orlando devam ser publicadas pela imprensa e lidas pela população. Aí estava algo realmente especial. Fui em frente com o release e deparei com um texto precioso:

“A linda Milena Nogueira conseguiu uma brecha em sua agenda e na do seu marido, Diogo Nogueira, para realizarem um pedido especial do filho Davi. Em companhia do irmão Matheus Graf, foram aproveitar alguns dias na Disney, em Orlando, Estados Unidos. Embarcaram no final de outubro e desfrutaram de toda a magia do local em família, inclusive a mãe do sambista, Angela Nogueira, também os acompanhou nessa linda viagem”.

Arrá! A família Nogueira é a do sambista Diogo Nogueira, personagem de alguma celebridade. Mas, note, curioso leitor, que o sambista não é protagonista do release. A protagonista é a supracitada “linda Milena Nogueira” e sua família em justo gozo de férias. Tanto que, dois parágrafos abaixo, resplandecia um elucidativo intertítulo:

“Sobre Milena Nogueira”.

Era do que eu precisava! Corri para o texto, sequioso por saber mais sobre Milena Nogueira, destacada como “linda” por sua assessoria, e que anseia pela divulgação das ocorrências de suas férias em Orlando. Lá estava: “Milena Nogueira esbanja beleza e simpatia aos 36 anos e sintetiza a mulher moderna: trabalhando, cuidando da família, sem descuidar da sua individualidade. Mãe de dois filhos e casada com o cantor Diogo Nogueira, Milena é formada em Educação Física e atua como personal trainer, figurando no rol das mais requisitadas profissionais da área.”

Essa, então, é Milena Nogueira. Esbanja beleza e simpatia aos 36 anos e sintetiza a mulher moderna. Gostei de saber. Talvez todas as pessoas devessem ter assessoria de imprensa.

“José Carlos. Zelador de edifício. Muito bom em serviços gerais. Ninguém desentope uma caixa de gordura como ele. Nos domingos, adora arroz com galinha”.

“Ingrid. Loira como uma valquíria. Gosta de correr e de observar as pessoas da janela do seu apartamento. Seu último namorado a decepcionou. Tem andado triste nesses dias de primavera”.

“Fernanda. Queria ser atriz, mas acabou cursando Publicidade e Propaganda. É apaixonada por um fotógrafo que tem pouco tempo para ela. Pensa em passar o Réveillon na Praia Brava, mas talvez vá para Cidreira.”

“David. Escritor e jornalista de província. Já viveu dias melhores, mas também já viveu piores. Ou não? Ele não tem certeza. Ele não sabe de nada. De fato, ele não sabe de nada.”

Minhas férias

Nas priscas eras de colégio, na volta às aulas, a primeira coisa que a professora pedia era uma composição debaixo do título “Minhas férias”. Chamava-se composição, não redação. Às vezes a gente tinha de ler o texto na frente da turma. Minhas férias. Lembro dos colegas contando sobre as bicicletas que ganharam no Natal, sobre o veraneio no Litoral, sobre almoços domingueiros com os primos. Tudo muito enfadonho, sobretudo para quem não tinha bicicleta, casa na praia ou primos aos cardumes, como eu.

Uma vez, escrevi um “Minhas férias” clandestino. Teci-o em casa, um texto que jamais entreguei para a professora ou para qualquer outro ser humano. Assim:

“Minhas Férias

Neste verão, descobri que amo de verdade a Maria Cristina. Somos colegas desde o jardim. Ela senta na terceira cadeira da terceira fila, no meio. Ela é morena e magra. Ela fez uma reunião dançante na festa de aniversário dela. Fiquei um pouco chateado, porque ela não me deu muita bola, mas, no fim, nós dançamos uma música lenta. Senti o cheiro do rosto dela e ela alisou minha nuca. Foi quando me apaixonei realmente.

Durante várias tardes das férias, caminhei até a frente do prédio da Maria Cristina. Não fiz nada, só fiquei do outro lado da rua, olhando. Maria Cristina nunca apareceu, enquanto eu estava lá. O que eu faria, se ela aparecesse? Não sei. Só sei que amo a Maria Cristina”.


Acho que fiz bem em nunca ter mostrado aquela composição a ninguém.

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