16
de novembro de 2013 | N° 17616
PAULO
SANT’ANA
Perguntem aos
tamancos
Não
sei por que estou recordando neste instante que, dos seis aos 14 anos de idade,
eu usava calças curtas e suspensórios.
Nunca
usei, porque não as tinha, calças compridas. Uma vez só usei, por alguns dias,
umas bombachas que me foram dadas por um passante generoso.
Usava
calças curtas até mesmo no inverno, uma imposição da minha pobreza.
Só
quando completei 18 anos é que consegui comprar, por vários empregos que tive,
calças compridas. Eu as vestia todo orgulhoso.
E já
narrei aqui o dia em que, sendo ascensorista da Casa Krahe, consegui comprar um
paletó marrom, assim mesmo, usado. E eu me olhava no espelho do elevador de
paletó e foi a primeira vez que me achei bonito.
Também
acho que já narrei aqui nesta coluna que, durante toda a minha infância, a
minha pobreza me designou como calçados os tamancos. Eram tamancos duros,
severos, de solas altas, imarcescíveis, incômodos para os pés e mais ainda para
minhas unhas encravadas.
Ocorre-me
agora que tive uma infância muito sofrida, mais ainda pela dor que eu sentia
nas minha unhas encravadas prensadas contra o couro dos tamancos.
Parece
até que foi o Lupicínio Rodrigues que lançou um samba célebre, intitulado
Perguntem aos meus Tamancos. Nele, o grande compositor quis dizer que seus
tamancos foram as maiores testemunhas da suas dores juvenis.
Foi
exatamente isso que também me aconteceu.
E
fico pensando que também, durante toda a minha vida, nunca usei chapéus, com
exceção dos bonés de couro ou de fazenda para proteger-me da chuva.
E,
durante a minha infância e juventude, os chapéus eram complementos
indispensáveis para a elegância masculina. Havia uma marca famosa de chapéus:
os Chapéus Sarkil. Para serem elegantes, os homens tinham de adquiri-los.
Outra
marca notável de chapéus era a Ramenzoni.
Quanto
aos sapatos, também somente quando fiz 24 anos é que consegui comprar sapatos
de uma marca famosa: Clark. Havia alguns luzidios de verniz, a loja que os
vendia ficava na Rua da Praia.
Havia
alguns Clark de solados grossos de borracha, propícios para a chuva.
E me
lembro agora que a linha Clark vendia chinelos de luxo. Eu, pobre, olhava-os de
soslaio na vitrina, nunca consegui comprar um chinelo daqueles para ornamentar
minha inalcançável elegância íntima e doméstica.
O
mínimo direito que uma pessoa humana masculina tinha de ter era o de usar
chinelos confortáveis e elegantes.
Eu
nunca os tive. E o interessante é que os anos de penúria me acostumaram a não
usar chinelos. Até hoje, quando sou salarialmente muito bem recompensado, por
hábito, não me entrego ao uso de chinelos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário