quarta-feira, 8 de dezembro de 2010



08 de dezembro de 2010 | N° 16543
DIANA CORSO


Espelho abjeto

Fabrício Carpinejar reclamou em sua última coluna que, após o pai ter abandonado o lar, a mãe o deixou com a indigna tarefa de exterminar as baratas. Julgou que ela só lamentara na separação ficar a mercê dos insetos, “pensava que o pai era um inseticida”. Ele deveria ter ficado grato: essa missão equivale ao cargo de general dos exércitos dela, melhor cavalheiro da távola do rei.

As baratas são o terror e o lado sombrio das mulheres, na dúvida recomendo a leitura de A Paixão Segundo G.H. “Às vezes acordo transformada em uma barata”, escreveu Claudia Tajes, comparando-se com a personagem de Kafka.

Mulheres sentem-se cheias de patas, antenas, pelinhos que consideram nojentos, uma carapaça difícil de cobrir nas inúmeras imperfeições, basta uma e se anula qualquer possibilidade de bem parecer. O homem também as tem, mas nem nota. Já a nós nada escapa, pois exigimos de nossa aparência a perfeição impossível.

Como elas, temos muitos membros, para poder fazer tudo rápido e concomitantemente, sem contar as longas antenas, com as quais prestamos atenção a várias coisas ao mesmo tempo. Como a personagem de Kafka, possuímos um corpo que desperta enorme, de borco, que contemplamos com pavor. Levamos horas para emergimos prontas dos nossos aposentos, dando o último olhar coquete no espelho, já transformadas na cereja do bolo.

Mas antes disso sentimo-nos uma massa amorfa que precisamos reconstruir a cada dia. Um homem não tem esse problema, ele vive focado, seu corpo gira em torno de seu precioso órgão, haste que enfeixa todo seu ser, por isso eles só fazem uma coisa de cada vez, são falo-centrados. Conectados com esse eixo de sua identidade, o resto da personalidade masculina é dominado por essa única variável.

Como nós, a barata conhece e habita as entranhas da casa, cujos cantinhos dominamos e tememos tanto quanto os de nossos corpos; ela se esconde e espia, como fazemos com os furinhos de celulite. Como esse monstro, somos oriundas dos bastidores da cozinha, dos banheiros, do lar. Ela é nosso espelho abjeto e, por isso, objeto fóbico preferencial.

O medo faz parte da infância, opera desde o inconsciente pelo resto da vida, independentemente do sexo. Usando o medo como bússola, mapeamos o mundo e estabelecemos nossas hierarquias interiores: onde e quando se pode ir, protegido pelo quê, por isso as crianças são medrosas.

Quando a barata chega e provoca a histeria feminina, os gritos convocam um pai, um homem, alguém com poder para exterminar o monstro do pior pesadelo. Fabrício, agradeça a sua mãe a honra recebida.

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