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terça-feira, 7 de dezembro de 2010
07 de dezembro de 2010 | N° 16542
PAULO SANT’ANA | MÁRIO MARCOS DE SOUZA(INTERINO)
Um contra todos
Nestes últimos dias de 2010, quando boa parte da imprensa mundial se ocupa de listas, retrospectivas e escolha da personalidade do ano para ocupar as capas de suas edições, espero que todos rendam homenagens a um australiano de 39 anos chamado Julian Assange.
Ninguém merece tanto a distinção de Homem do Ano quanto este programador e hacker de 39 anos que tem feito tremer os impérios com seu site WikiLeaks, especializado em revelar imagens e documentos secretos, em contar a todos nós aquilo que os governos pretendiam manter em segredo.
A grande contribuição de Assange e sua pequena equipe de jornalistas e pesquisadores é exatamente esta: a informação antes limitada a pequenos círculos virou assunto de todos, discutida ao redor de mesas de bares, em reuniões de amigos, em famílias diante de aparelhos de TV.
Não há mais segredos depois do site que hoje é combatido pelas grandes máquinas dos governos atingidos – e até mesmo pela democrática Austrália, o país que deveria se orgulhar de Assange, mas que, estranhamente, decidiu integrar a força de combate que busca anular o diretor do site.
Só pelo fato de Assange revelar a imensa, imoral e despudorada hipocrisia das relações internacionais, aquela que escolhe os inimigos de acordo com suas próprias conveniências, já merecia todos os prêmios e distinções. O mesmo ambiente tecnológico em que ele trabalha com desenvoltura já se movimenta para protegê-lo. Ganhou milhares de fãs nas redes sociais, está no centro de uma campanha pedindo sua indicação ao Prêmio Nobel da Paz, virou herói de muitos.
“Tenho o desejo de mudar o mundo”, costuma dizer em sua defesa, ao falar dos milhares de documentos secretos que tem deixado à disposição de qualquer pessoa em suas páginas de internet. Está conseguindo. No filme Rede Social, em exibição em Porto Alegre, há um momento em que o fundador da Napster, a página que passou a disponibilizar músicas e foi processada por isso, diante do argumento de que fracassou na disputa com as gravadoras, responde com uma pergunta: “Você investiria seu dinheiro na Towers Records?”.
Assange poderia perguntar, usando o mesmo argumento: “Você apostaria um centavo na diplomacia de certos países depois do WikiLeaks?”. Quem leu o livro Legado de Cinzas, do jornalista americano Tim Weiner, sabe que esta hipocrisia dos países vem de muito tempo. Weiner descobriu isso consultando 50 mil documentos da CIA e os revelou no livro. A diferença é que Assange tirou dos arquivos, entregou a alguns grandes jornais do mundo e disponibilizou na internet. Eram segredos, viraram assunto aberto.
Sem Assange, alguns crimes de guerra permaneceriam secretos. Foi ele que lutou na Justiça e revelou, no início deste ano, o vídeo em que soldados americanos, em um helicóptero Apache, disparam contra um grupo de iraquianos, matando seis pessoas – entre elas, dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Do alto, os soldados confundiram o equipamento fotográfico de um deles com uma arma e, mantendo a regra das guerras de atirar antes e perguntar depois, dispararam.
O resultado foi trágico e forçou o governo americano a longas explicações. Se dependesse dos canais diplomáticos ou do sistema de segurança, o episódio permaneceria como um segredo para sempre. Não são apenas os americanos.
Os documentos diplomáticos revelam uma rede de intrigas mundial, quase doentia, como se as embaixadas fossem reduto de fofoqueiros, criticando os que discordam, protegendo os amigos, separando terroristas em amigos (os que precisam ser defendidos) e inimigos (os que devem ser caçados).
Toda a assustadora máquina das potências se moveu nas últimas semanas para tornar o site inviável e nem assim este australiano nascido em Townsville desiste. Foi acusado de crimes na Suécia (por casualidade, as denúncias surgiram bem quando ele passou a incomodar), está na lista da Interpol, teve seus espaços cancelados em provedores, vive escondido, mas não desiste.
Fez nestes tempos modernos o que fizeram nos anos 70 Bob Woodward e Carl Bernstein, os jornalistas do Washington Post que enfrentaram as pressões e revelaram os bastidores sujos de seu próprio governo. Derrubaram um presidente e seus auxiliares. Agora, Assange faz o mesmo com a diplomacia. Revela suas entranhas nem sempre cheirosas. Ainda bem.
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