terça-feira, 7 de dezembro de 2010



07 de dezembro de 2010 | N° 16542
LUÍS AUGUSTO FISCHER


O Toninho

Talvez eu ande escrevendo demais sobre mortes, percebo. Todo mundo perde gente querida, ainda mais quando os anos vão passando e a gente começa a contar o passado em décadas – um dia me dei conta, assustado, que fazia trinta anos que eu comecei a dar aulas. Trinta anos!

Foi em março de 1980, sim senhor, e eu já estava lá, caderno de chamada, caixa de giz, muita imaturidade acompanhada de uma enorme vontade de fazer aquilo ali, falar para aqueles adolescentes, ensinar a ler, ajudar a entender o Machado de Assis que eu mal e mal entendia. Por que então falar dos mortos?

Semana passada recebi a notícia da morte do Antônio Rubio Aladrén, o Toninho. Ele estava morando em Barcelona havia já muitos anos, remontando sua vida com a Zany, os filhos vivendo aqui no Brasil (um deles, o Gabriel, está se tornando um historiador de primeira linha no tema da escravidão).

Da última vez que nos vimos comemos um churrasco no Barranco, para relembrar velhos papos e conferir a vida atual. Eu demorei para ter filhos, ao passo que ele os teve ainda bem jovem, e essa era uma diferença a mais em nossas vidas, que estiveram unidas pela amizade por – puxa vida – trinta anos.

Nos conhecemos trabalhando no Anchieta, ele o primeiro professor de espanhol do colégio, quando a língua de Cervantes começava a entrar na escola brasileira. Eu já sabia dele por sua irmã, que era professora na UFRGS. Mas conhecê-lo e conviver com ele era qualquer coisa de extraordinário: era um cara leve, uma presença sempre a favor, um queridão, que ao mesmo tempo não tinha nenhuma paciência com a caretice e a formalidade. Suas risadas discretas.

Suas hipérboles. Seu senso fino de ironia. Uma espécie de hippie, para resumir: queria da vida o melhor, para todos. Ele e eu visitamos Montevidéu e Buenos Aires, numa jornada inesquecível. Foi com ele que eu pela primeira vez falei sobre escrever o Dicionário de porto-alegrês, numa livraria portenha. Certa experiência dele virou um microconto do meu primeiro livro de ficção. Que dizer mais?

Ele cozinhava para os amigos, de vez em quando. Sua paella era qualquer coisa. Tenho aqui comigo a foto de uma dessas, pronta, que cozinhamos em fogão comum, com as quatro bocas acesas, de forma a dar conta do recado. Na foto está o Toninho, sorridente e orgulhoso, e mais que tudo feliz pela parceria que estávamos desfrutando. O Toninho me ensinou muito sobre aproveitar o momento – sem filosofia, que ele não era disso, mas com o empenho das almas boas.

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