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quinta-feira, 11 de março de 2010
11 de março de 2010 | N° 16271
RICARDO SILVESTRIN
O pior dos pecados
“Cometi o pior dos pecados/ que um homem pode cometer. Não fui/ feliz.” Assim começa o soneto El Remordimiento, do argentino Jorge Luis Borges, traduzido por outro excelente poeta, Antonio Cicero. Está no livro La Moneda de Hierro, de 1976, e também no blog Acontecimentos (antoniocicero.blogspot.com).
É uma afirmação que causa surpresa. Vamos supor que estas pesquisas interativas do nosso tempo lançassem a questão “qual o pior pecado que um ser humano pode cometer?”. Talvez ninguém respondesse “não ter sido feliz”. Como se pode negar que Borges tem razão? Ser infeliz é a pior desfeita que se pode dar para o presente que se ganhou ao nascer. No entanto, como se consegue o contrário?
Vinícius de Moraes e Tom Jobim apontam para a fragilidade e a condição efêmera da felicidade: “Tristeza não tem fim/ felicidade sim/ a felicidade é como a pluma/ que o vento vai levando pelo ar/ voa tão leve/ mas tem a vida breve/ precisa que haja vento sem parar.”. A tristeza, para eles, é a condição da gente. Ela não termina. Já a felicidade é que vem e vai ao sabor do vento. Como na letra do Odair José: “Felicidade não existe/ o que existe na vida são momentos felizes”.
Borges certamente não esperava uma satisfação plena e ininterrupta. Mas, fazendo o balanço de uma vida, colocando de um lado os momentos felizes e de outro os infelizes, o que sobra? Talvez não se possa medir de uma forma quantitativa. Talvez a questão seja mesmo qualitativa. Nas coisas que realmente importam para uma pessoa, ela se sentiu realizada ou não? O poeta argentino publicou essa reflexão corajosa depois dos setenta. Ele morreu com 85 anos.
No blog do Cicero, também encontrei a tradução que ele fez de um outro poema de Borges, de que gosto muito, e que é mais otimista, Os justos: “Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire./
O que agradece que na terra haja música./ O que descobre com prazer uma etimologia./ Dois empregados que num café do Sur jogam um silencioso xadrez./ O ceramista que premedita uma cor e uma forma./ O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade./
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto./ O que acaricia um animal adormecido./ O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram./ O que agradece que na terra haja Stevenson./ O que prefere que os outros tenham razão./ Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo.”
Borges pode não ter se achado feliz, mas faz até hoje a felicidade de leitores como eu, Antonio Cicero e, espero, a de você que está com este texto nas mãos.
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