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quarta-feira, 10 de março de 2010
10 de março de 2010 | N° 16270
JOSÉ PEDRO GOULART
Woodstock e o Oscar
Gastei parte do domingo com o Woodstock e depois com o Oscar. O filme do Ang Lee sobre os famosos três dias de paz e amor, ao contrário do que se poderia esperar, não é um enunciado eloquente sobre a importância daquele festival para a memória afetiva do planeta. Lee preferiu deixar rolar a fita com despretensão, de modo que uma certa ingenuidade transparecesse.
Muitos talvez esperassem que o diretor tratasse o assunto como tendo sido uma epifania (o que foi), mas o fato é que o filme é sobre quem “estava lá”: os “participantes” da história – e não os espectadores, todos os outros que souberam do Woodstock a partir das imagens que depois varreram o mundo.
Em grande parte do nosso disco rígido de memória, os acontecimentos que estão gravados “falam” inglês. O Woodstock, com Jimi Hendrix tocando o hino dos Estados Unidos; a bandeira americana cravada no árido solo lunar; Kennedy assassinado e tantas outras imagens de um mundo cinematográfico. Pensamos, lembramos, sonhamos com um mundo americano, como se esse fosse o “nosso” mundo.
A cerimônia do Oscar é uma cafonice – é o que se diz. Pois aquela cafonice é responsável por muitos dos nossos pensamentos, nossas lembranças, sonhos. Aquele pessoal, trajando Armanis e Diors, carregando joias emprestadas, com discursos pausterizados dividindo o bolso do smooking com naftalina, é que produzirá parte do que irá se armazenar na nossa memória.
O Oscar é uma fresta na Pandora que vem sendo criada nesses mais de cem anos de cinema. No palco, os avatares simulam algo próximo daquilo que se espera deles: alguma emoção, um “salvem as baleias” presumível, mas nada que tenha muita substância. E que seja rápido antes que a champanha da festa pós-evento esquente.
Assim, a ex-senhora James Cameron (ninguém é ex do “king of the world” impunemente) sacode as estatuetas, distribui sorrisos e agradece a premiação do seu filme direitista sobre a invasão americana no Iraque. A homenagem dela aos soldados mutilados, explodidos, esmigalhados, é estar ali, feliz, cheirosa, bem arrumada. E agradecida pelo prêmio.
(Certa vez, John Lennon pediu em um show dos Beatles em Londres que “os que estavam acomodados nos lugares baratos aplaudissem; os demais sacudissem as joias”.)
No final do filme do Ang Lee, o protagonista sobe na montanha e olha para o vale em que o Woodstock acabou de acontecer. Foram dias de sexo livre, música intensa, viagens lisérgicas, muito barro e nenhum conflito.
Então o sujeito diz: “beautiful, beautiful”. Assim, duas vezes. Como se fosse para se contrapor ao final do Apocalipse Now e seu duplo, “o horror, o horror”.
A única guerra ao terror é a paz. Mas os caras não aprendem.
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