quarta-feira, 10 de março de 2010



10 de março de 2010 | N° 16270
DAVID COIMBRA


Uma frase que vale 10 mil anos

Walter, o centroavante, produziu uma frase de sociólogo alemão, dias atrás. Durante longo tempo fiquei pensando no que disse Walter, ele que, segundo comentam, não é exatamente um frasista; é goleador de pouco verbo.

Revelou, o jogador, que ganha R$ 15 mil por mês. E acrescentou:

– Sei que não é um mau salário, mas quanto mais a gente ganha, mais precisa.

Acertou no ângulo.

A História, com agá maiúsculo, comprova a afirmação de Walter. Desde que o homem passou a ter coisas, mais coisas ele passou a querer ter. Não faz muito tempo isso. A propriedade foi inventada há 10 mil anos, só – um subproduto da agricultura.

Antes, durante mais de dois milhões de anos, o homem caçava, coletava e pescava. Vivia do que lhe dava a Natureza. Os recursos terminavam cá, ele se mudava para lá. Era uma existência nômade, que, por ser nômade, prescindia de maiores posses além das pessoais, um ou outro instrumento que podia ser reposto rápida e facilmente, se fosse perdido.

Mas há 100 séculos foi descoberta a agricultura. O homem tinha de possuir a terra para cultivá-la e dela tirar o sustento. Sobre a terra, ele levantou uma casa; dentro da casa, montou camas em que dormir, mesas onde comer, fogões para cozinhar. O homem passou a ter coisas, e tudo mudou.

Hoje, as pessoas passam a vida pensando em ter e em acumular. É a fonte de todo o Mal.

Eu aqui, detrás da tela azul do meu computador, nunca imaginaria que o homem devesse retornar aos anos dourados do paleolítico, até porque não conseguiria viver sem serviço de tele-entrega e chuveiro a gás.

Mesmo assim, há o que seja mais importante do que ter. Walter mesmo, ele se angustia por querer ter muito dinheiro, e o mais rápido possível. Se pensasse em ser um grande jogador, talvez logo ali adiante viesse a ter mais do que pode amealhar agora.

Mas Walter olha para os lados e vê o dinheiro a cercá-lo. Como não querer ter, se tantos outros têm? Há dinheiro em demasia no futebol. Dinheiro que o desvirtua. Que faz com que um jovem jogador, antes mesmo de jogar, só pense em ter muito, não em ser grande. Pobre futebol brasileiro, que, de tão rico, apodreceu.

A extinção das avós

Não existem mais avós. Avós de verdade, digo. De cabelos brancos e vestido floreado. Avós de óculos na ponta do nariz, que sabiam cozinhar, que passavam o dia produzindo bolos olorosos, que contavam histórias.

Avó de cabelo preto não é avó. Avó de calça jeans não é avó. AVÓ DE TATUAGEM NÃO É AVÓ!

Eu fui um neto feliz. Tive uma avó de verdade, que fazia schimier, figo em calda, pão de forno, que fazia ela mesma a massa do almoço de domingo e seu molho denso, uma avó que plantava flores nos canteiros e criava galinhas no quintal – vó tem que ter quintal.

Minha vó era devota do Padre Reus, minha vó sabia que formiga se combate com vinagre, minha vó nos dava Elixir Paregórico, minha vó dizia para minha irmã ter cuidado “porque a moça é como um cristal: depois que se quebra, não tem mais conserto”.

Eu tive uma avó!

Vocês, netos de agora, não.

Algumas tradições têm de ser preservadas.

Por isso é que não gostei da nova camisa do Grêmio.

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