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terça-feira, 2 de março de 2010
02 de março de 2010 | N° 16262
LUÍS AUGUSTO FISCHER
Sociologia do sofá-cama
Para a Dora, que chegou uma semana atrás para completar nossa casa (sem sofá-cama).
Não sei bem por quê, por esses dias me dei conta de que não há mais sofá-cama na casa da classe média. Simplesmente não há. E não faz mais do que uma geração, uns 25 ou 30 anos, ele era peça obrigatória do cenário dos apartamentos e casas dessa gente que, como o senhor e eu, se move pelo mundo sem viver as agruras dos pobres ou os confortos dos ricos.
(O senhor pelo jeito vai me contestar e dizer que o mundo social não é tão simples assim, que se possa dividir em três e era isso; eu concordo; mas também não estou aqui para uma sociologia tão miúda assim: meu negócio é palpite.)
Quando eu era criança (sou de 58), o sofá-cama apareceu por aqui, tornou-se acessível. Ele envolvia um mecanismo que de vez em quando trancava: com o móvel em sua condição de sofá, levantava-se a parte do assento até ouvir um tlec (ou dois, já me esqueci); então, acionada a geringonça - troço totalmente analógico, mecânico, com ferros e molas, sem eletrônica alguma embarcada -, o que era encosto ia para o plano horizontal e, surpresa, onde antes havia um sofá agora estava uma cama.
Cama na sala, um singelo acontecimento, capaz de nos comover, crianças, em função da novidade, do giro por assim dizer semântico da casa.
Acionava-se o prático móvel por algumas estritas razões, todas elas, que eu me lembre, relacionadas a visitas de parentes do interior, um primo que vinha para uns dias na cidade, um avô que vinha consultar, algo assim. (Em minha vida houve outro uso para um inesquecível sofá-cama, relacionado com o período de recuperação de uma cirurgia a que foi submetido meu saudosíssimo irmão, o Prego, em sua infância.)
Alterava-se a rotina da casa; ia-se dormir e na sala ficava o novo ocupante do sofá-cama, que por sua vez obedecia a um estrito código de ética, acordando e arrumando tudo antes que a casa retomasse sua rotina, na manhã seguinte. (Disse “a casa”, e esse sujeito me pareceu também espectral, como o dito móvel.)
Hoje não há mais sofás-cama (creio que era esse o plural, porque a segunda palavra diz a função da primeira); talvez ainda haja a bicama, outra invenção que aliviou a barra da classe média no quarto dos filhos e na mesma sala, mas que nunca funcionava bem.
E por que sumiu, me pergunto. Porque temos menos parentes. Porque ninguém vem mais do interior assim. Porque não cultivamos mais essa intimidade com os nossos, preferindo indicar um hotel nas proximidades. Haverá algum em museu, ao menos?
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