segunda-feira, 1 de março de 2010



01 de março de 2010 | N° 16261
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Pré-outonal

As paineiras já estão floridas. Olhem: estão floridas também as quaresmeiras.

O outono ao Sul é tão gentil que se anuncia com flores. Só nós, os outonais, podemos entender Toulouse-Lautrec. Ele costumava dizer, com sua sabedoria de artista, que o outono é a primavera do inverno.

Sim, ainda está quente.

Muito quente, aqui ao Sul.

Mas suportamos esse calor com a visão da natureza, que começa aos poucos a transformar-se. Já é possível perceber algo novo na atmosfera.

Os dias começam a ficar menores.

As noites têm seus os astros mais nítidos.

As manhãs são mais solenes, belas e evocativas. Os pássaros já não fazem sua algazarra. Cumpriram seu ciclo, e agora apenas vivem. Há maior silêncio.

O poente sobre o rio, sobre o campo, sobre o cenário urbano, tem alguns matizes mais dourados. São ínfimos, mas perceptíveis. Esqueçam a moda dos óculos escuros, que tudo mascaram. Olhem as coisas como elas são. Só assim será possível notar essas minúsculas e esperançosas variações da luz.

Para perceber tudo isso, porém, não basta possuir a condição humana. É preciso ser diferente; não melhor, mas diferente. É saber contemplar a vida, segundo propõe Baruch Spinoza, sub specie aeternitatis, isto é, sob um ponto de vista que ultrapassa o tempo e as circunstâncias materiais do aqui e do agora.

Uma pessoa que olha para o céu de uma tarde que morre e não percebe nada, é possível que tenha outras habilidades, mais solares, mais estivais e meridianas, e vivam alegres assim como são.

Nós, porém, que gostamos dos meios-tons, que somos tocados pelo movimento andante de uma sonata de Mozart, nós temos uma condição diversa. O preço dessa condição é a impossibilidade de sermos felizes sempre e por completo. Nossa felicidade dá-se por momentos como estes, em que descobrimos os sinais, invisíveis para os outros, da bela germinação do outono.

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