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sexta-feira, 6 de novembro de 2009
06 de novembro de 2009 | N° 16147
PAULO SANT’ANA
Os escalpos conjugais
Minha corda só tem 10 metros, mas continuo salvando afogados.
E, fora isso, ainda vou conseguir com as autoridades encaminhar aquela menina cega de um olho e o outro por cegar-se também para Goiás.
Vocês não sabem o que é a felicidade de quem, como eu, se sente útil!
Só por isso já valeria a pena viver.
É mais fácil libertar-se um povo, um país, do jugo externo de mais de séculos de duração do que libertar-se um homem de uma mulher.
Não há nada que mais escravize o homem que o jugo de uma mulher.
E mais trágico se torna esse domínio de uma mulher sobre um homem quando este dominado e subjugado nada faz para se libertar, pelo contrário, adora a sua submissão.
Esta escravização de um homem sob uma mulher começa no namoro, tímida, depois avança pelo noivado e se consagra no casamento.
Sem dar-se conta, o homem vai sendo aos poucos manietado, amordaçado, humilhado, escorraçado pela mulher.
E, quando vê, a tragédia está instalada.
E não pensem que sou machista. Não sou. Sei que isso também se dá pelo contrário e há homens que tiram os escalpos de suas mulheres.
Por isso é que volta e meia me refiro a trágicas relações conjugais que se instalam entre as pessoas.
A esse respeito, muitos anos atrás contei aqui uma história da minha infância.
Nós morávamos na antiga Rua dos Coqueiros, hoje denominada 17 de Junho, aqui no Menino Deus. E a gurizada toda – éramos cerca de 30 – assistia todos os dias na hora da Ave-Maria, exatamente às 18h, aos gritos do açougueiro da rua apanhando de sua mulher, dentro do açougue.
Sentávamo-nos no meio-fio para ver o açougueiro apanhar todos os dias da mulher. Era uma gritaria danada, gritava a mulher do açougueiro espancando-o, gritava o açougueiro sendo espancado, era um escândalo na vizinhança.
Mas um dia o espancamento do açougueiro por sua mulher passou dos limites.
Eram 18h exatas daquele sábado quando estourou o alarido do espancamento dentro do açougue. E o pobre do açougueiro fugiu para a rua, onde a nossa plateia de garotos já estava postada para assistir ao escarcéu.
Só que dessa vez, de tanto apanhar, o açougueiro correu para a rua, fugindo da mulher. Esta não se fez de rogada e saiu pela rua perseguindo o açougueiro. E, quando saiu do açougue, a mulher do açougueiro deu de mão numa manta de mondongo, dobradinha, que estava dependurada num dos ganchos do açougue, e surrava o marido com aquele mondongo, que batia nas costas do pobre coitado, que berrava como um cabrito.
Naquele dia, o espetáculo da surra que a mulher do açougueiro impunha ao marido não causou tanta sensação à gurizada. Até hoje ainda guardo aquela cena como depositária da nossa compaixão pelo açougueiro.
Foi demais a execração pública do açougueiro ante as nossas vistas infantis.
Apanhar de mondongo é uma suprema humilhação. Maior que apanhar de mulher.
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