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segunda-feira, 10 de agosto de 2009
10 de agosto de 2009
N° 16058 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES
Filhos e sonhos
Andaram debochando de novo do senador Eduardo Suplicy. Um dia depois de coronéis e cangaceiros puxarem as peixeiras em plenário, Suplicy decidiu cantar. Era só o que faltava. O Senado transformado em cenário de filme do Glauber Rocha e o Suplicy cantando.
Pra quem não viu, na sexta-feira o senador leu em português a letra de Father and Son, de Cat Stevens, e depois cantou em inglês um trecho da música que fala da relação de pai e filho. Debocharam do Suplicy até na TV. Não seria hora para cantorias. Ontem, Suplicy cantou Cat Stevens em casa com os filhos Supla, André e João.
Não são tantos os senadores do porte de um Suplicy capazes de cantarolar uma música como essa no Dia dos Pais sem parecerem cínicos. Imaginem Sarney declamando um poema que fale dos conselhos de um pai ao lado do Zequinha, do Fernando e da Roseana. Algo como: vocês sempre terão os empregos que pedem/para esse papai varonil/porque o papai de vocês é o mandão do Brasil.
Suplicy é a antítese de Sarney. Nenhum dos filhos de Suplicy agarrou-se às botas do pai para fazer a vida. Supla e João são músicos, André é médico. A música escolhida foi cantada por gente que hoje está careca como Suplicy. Perdeu a melena e quase todos os sonhos do tempo de Cat Stevens. Pai e Filho fala de uma conversa sobre impulsos, projetos, a hora certa de sair de casa e o confronto da maturidade com as utopias que ficaram em alguma estrada.
Cat Stevens abandonou o mundo das celebridades no final dos anos 70 e se converteu ao islamismo, virou um desses loucos da paz, mora em Londres. Em 2004, foi impedido de entrar nos Estados Unidos em meio à paranoia da caçada a terroristas, só porque agora se chama Yusuf Islam. Suplicy é o nosso Cat Stevens do Senado. Desperta as suspeitas da intolerância por declamar poesia numa hora dessas.
No mesmo dia da performance de Suplicy, o senador Cristovam Buarque falou de uma preocupação. Disse que teme ver crianças e adolescentes tentando imitar o que se faz no Senado. Que imitem Suplicy. Que cantem alguma coisa, que façam versos e provoquem um alarido de cantorias e abafem a gritaria dos cangaceiros. Na leitura que fez em plenário, Suplicy traduziu assim a música de Cat Stevens:
“Não é tempo para fazer mudança/procure relaxar/estar à vontade/você ainda é jovem, essa é sua culpa/ainda há muita coisa para você aprender/encontre uma menina, acalme-se/se você quiser pode até se casar/olhe para mim/eu sou mais velho mas eu sou feliz/ já fui uma vez como você é agora/eu sei que não é tão fácil ficar calmo/quando você descobre alguma coisa que está caminhando/mas tome seu tempo, pense bastante/eu penso de mim tudo aquilo que você tem/você ainda estará aqui amanhã/mas seus sonhos não estarão mais”.
Depois cantarolou uma parte em inglês e depois disse: E assim vai...
Suplicy sempre é acusado de ter um raciocínio labiríntico. Que se perde no meio de uma frase, que fala no mesmo tom e que não diz coisa com coisa. As mulheres e as crianças adoram Suplicy. A racionalidade dos homens que elegem os Sarneys da vida não pega a frequência de um Suplicy. Eu prefiro a fala circular de Suplicy à gramática de sujeitos, verbos e maus predicados dos cangaceiros.
A música de Cat Stevens cantada em plenário fala de um pai que pretende manter o filho por perto e de um filho que diz: tô indo, fui. Depois de dias com os filhos de Sarney como personagens do Brasil, Suplicy, com seu jeitão de quem não quer nada, nos lembrou que pais também têm Suplas, Joãos e Andrés.
Eu aproveito a carona e conto que alguns dos meus sonhos podem não estar mais aqui, mas talvez estejam nos sonhos de um Artur e de um Bernardo. E assim vai... Ontem, por causa do Suplicy, passei a manhã ouvindo Cat Stevens.
Respeitável público, o cuspidor de fogo está deixando o picadeiro. Amanhã este espaço voltará a ser ocupado pelo domador de leões, ilusionista, trapezista, dono do circo... ou, seja, volta o nosso Paulo Sant’Ana.
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